27 março 2009

A jura

A jura
Fábio Reynol

- Alô.

- Alô, Gunzinho?

- Acho que a senhora ligou errado.

- É da casa do Gunávio Algemiro Laurentino?

- Sim, é ele mesmo que está falando.

- Gunzinho! Achei você! Que saudade! Quanto tempo, meu Santo Afrânio!

- Eu conheço a senhora?

- “Senhora”, Gunzinho!? Que nada! Ainda sou senhorita, na flor da idade! Acabei de fazer 63.

- Quem está falando?

- Gunzinho! Não tá reconhecendo? Sou eu, a Almerinda. Uma grande paixão a gente nunca esquece, né! Você me prometeu amor eterno!

Uma memória cheirando à naftalina ressurgiu dos baús neuronais de Gunávio, que ficou absolutamente embasbacado. Viu rodar como num V8 todo chapiscado de riscos e pontos pretos o filme de uma molecota adolescente de vestido rodado amarelo com um traseiro proeminente e em franco crescimento graças aos hormônios recém-saídos do forno.

- É a Almerinda, minha vizinha lá de Aiacanga?

- Ora, Gunzinho, e qual outro grande amor a gente tem na vida?

Gunávio ficou sem saber o que responder. Optou pelo trivial:

- E o que você tem feito da vida, Almerinda?

- Procurando você, Gunzinho, meu bem. Tenho uma ótima notícia pra te dar!

- Pois dê logo.

- Minha mãe, Gunzinho, lembra dela?

- Claro a dona...

- ...Zuliquinha. Você nunca gostou dela, né Gunzinho?

- Faz tanto tempo ... – respondeu sem jeito.

- Não tem importância.

- Mas o que tem a sua mãe?

- Ela morreu, Gunzinho! Não é ótimo?

- Ah.... oh... eh... meus sentimentos... Mas ela morreu de quê? eh... Espera aí, o que tem de ótimo nisso? Não foi a sua mãe que morreu?

- Gunzinho, você é um brincalhão. Lembra da nossa jura de amor no quintal de casa? A gente jurou se casar, mas eu disse que tinha que esperar minha mãe morrer antes. Pois isso acabou de acontecer! Já podemos nos casar.

- Almerinda, a gente tinha onze anos! Eu não sou mais um molecote. Tenho mais de 60 também, já me casei duas vezes e estou bem, obrigado. Moro sozinho, minhas filhas me visitam no Natal e no Dia dos Pais e não gosto nem de peixinho dourado. Há sete anos não há outro ser vivo morando comigo. Virei divorciado convicto e vitalício. Você entende?

- Gunzinho eu sabia que você não ia guardar a sua virgindade pra mim. Naquela época, você já era safadinho. Mas de uma coisa eu sempre tive certeza, você vai se casar comigo!

- Olha, Almerinda, eu acho que a gente não está se entendendo, sabe? Se você quiser sair para tomar uma cerveja e lembrar da infância em Aiacanga, tá legal. Mas sem esse papo de casar. Pode ser?

- Mas, Gunzinho, e nós? Como vamos cumprir a nossa jura?

- Almerinda, isso foi há mais de 40 anos! Nós nunca mais nos vimos! Eu nem sei como está a sua cara e nem você a minha! Como podemos nos casar?

- Gunzinho, o grande amor nunca morre! Você é o grande amor da minha vida e eu sou o da sua. Você mesmo escreveu isso no meu caderno. Eu tenho ele aqui!

Gunávio imaginou se a maluca pretendia encomendar uma perícia caligráfica para fazê-lo cumprir um contrato informal de quando tinham onze anos.

- Almerinda, para com isso. Você está me assustando. Vamos ser só amigos, tá legal?

- Gunzinho, é uma pena!

- Mas ainda podemos ser bons amigos – disse Gunávio, num tom que não conseguiu convencer nem a si mesmo.

- Se é assim que você quer, problema seu. Mas amizade só, eu é que não quero. Vou aproveitar e gastar na Europa a fortuna da mamãe.

- Você disse fortuna?

- Ué, Gunzinho. E as casas que ela deixou em Aiacanga, Jacuba e Bauru? E a fazenda de Arealva? Claro que eu vendi tudo. Deu mais de milhão. Nem sei o que fazer com tudo isso. Só sei que vou ter que ver isso sozinha. Passe bem...

- Ei, espera. Me diga só mais uma coisa...


Na falta de um assunto para manter a conversa, ele só conseguiu dizer a primeira coisa que lhe veio à mente:

- ...e a sua bunda? Continua em pé?

24 março 2009

"O Vendedor de Palavras" abre a Feira do Livro de Joinville

Queridos leitores deste nobre diário,

Com palavras adquiridas a preços populares, vos comunico que o mercado varejista de palavras não conhece crises financeiras e apresenta uma forte alta em todo o Brasil.

Na sugestiva data de 1° de abril, o espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" abrirá oficialmente a Feira do Livro de Joinville. Para que todos vejam que não é conversa de vendedor, segue o link do evento catarinense:

http://www.institutofeiradolivro.com.br/programacao.php

O espetáculo é interativo e transmite um forte incentivo à leitura, o que fez Joinville colocá-lo na comissão de frente da programação de sua feira literária. Aguardem, FLIPs, Bienais e Feiras de Frankfurts! "O Vendedor" vai lhes mostrar com quantas palavras se faz um livro!

Agenda de apresentações da peça
"O Vendedor de Palavras":
24 de março às 16h - Paranaguá, PR.
25 de março às 9h30 - Pontal do Paraná, PR.
26 de março às 9h30 - Antonina, PR e às 15h - Morretes, PR.
28 de março às 11h - Ponta Grossa, PR.
1° de abril às 9h15 - Joinville, SC - Abertura da Feira do Livro.

22 março 2009

"O Vendedor de Palavras": estreia regada a chimarrão


Do paralelo 30 - Eis uma cena que só poderia ter surgido na terra de Mário Quintana. Ao meio-dia de 22 de março de 2009, um bando de loucos pôs-se a vender palavras rivalizando com as banquinhas da maior feira de artesanato de Porto Alegre, o Brique da Redenção. Ao som do acordeão e do bandolim, uma canção chamou os fregueses para a banca de palavras. Foi a estréia do espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras", montado pelos gaúchos Fernanda Beppler e Carlos Alexandre do grupo Mototóti e inspirado na crônica homônima de minha autoria. Uma freguesia interessada rodeou a apresentação com garrafas térmicas e cuias de chimarrão e arrematou lotes de palavras além de muitas risadas.

Não posso deixar de agradecer o carinho do público gaúcho que depois de prestigiar o espetáculo me cercou para que eu fizesse dedicatórias no livro "O Vendedor de Palavras".

Agradeço em especial à professora de Tradução Susana Termignoni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que me presenteou com o seu livro "Fare come l'asino del pentolaio: Cem expressões idiomáticas italianas para brasileiros". A turma da professora Susana fez uma versão em italiano da crônica "O Vendedor de Palavras", que ficou "troppo bella", de acordo com meus amigos ítalo-parlantes, "Il venditore di parole".

Também não me esqueço da disposição do nosso amigo Fabiano que foi um magnífico guia turístico e nos acompanhou, nos transportou e nos guiou com uma super-boa-vontade durante a nossa estadia em terras gaúchas.

Para encontrar o livro
Após o espetáculo, algumas pessoas me perguntaram como poderiam adquirir o livro "O Vendedor de Palavras" posteriormente. Ao pessoal de Porto Alegre deixei um lote com o grupo Mototóti que, durante o mês de maio, vai fazer apresentações semanais nos fins de semana no Brique. O Mototóti vai vender o livro após cada apresentação. Para os que quiserem uma dedicatória, podem entrar em contato comigo por e-mail, o valor do frete fica menos do que cinco reais.

13 março 2009

Dia 22 de março estreia "O Vendedor de Palavras"

"- O que o senhor está vendendo?
- Palavras, meu senhor."

Foto: Vilmar Carvalho

Quem vende palavras, provoca pensamentos e financia sonhos.
Numa cidadezinha do interior gaúcho, um romance se desenrola, tropica e brinca com as palavras e sai a vendê-las na capital.
No próximo dia 22, haverá na praça palavras de graça e de riso, de amor e de amizade, de humor e de alegria para quem estiver lá e quiser pegá-las.
Meio-dia no Brique da Redenção, em Porto Alegre (RS).
Compareça e não deixe de levar a sua!

O Vendedor de Palavras!
22 de março

12h

Brique da Redenção - Porto Alegre
(próx. igreja Sta. Terezinha)
produção: Mototóti


09 março 2009

A abortadora

A abortadora
Fábio Reynol

Estava lá Jesus dando um curso motivacional gratuito para uma população de baixa renda quando os mestres da Lei e os bispos da CNBB trouxeram uma mulher surpreendida no meio de um aborto. Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi flagrada no meio de um aborto. O artigo 1398 do código de direito canônico manda excomungar automaticamente tais mulheres. Que dizes tu?”


Perguntavam isso para experimentar Jesus e para poder dar um amparo oficial às franquias com a logomarca dele que haviam aberto ao redor do mundo a fim de excomungar mais facilmente os pecadores. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão.

Porém, como na comitiva eclesial só tinha mala-sem-alça, eles insistiram na pergunta. Jesus então se enfezou, ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a excomungá-la”.
E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.

E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos. No entanto, o último bispo que restou, um baixinho, entregou uma cartinha à mulher antes de sair. Por fim, Jesus ficou sozinho, com a mulher no meio do povo.

Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”

Ela respondeu: “Só a Igreja Católica, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu não te condeno. Podes ir, não peques mais e arranje uma religião mais adequada!" Aquelas palavras calaram tão fundo em seu coração que a mulher se sentiu tocada a se converter ao cristianismo.

Nesse momento, o bispo nanico que havia entregado a carta à mulher voltou com outro papel na mão e estendeu-o à abortadora: “Podes, por favor, entregar esta aqui ao teu médico?”, disse-lhe o mini-reverendo.

Jesus então abaixou-se novamente e, desta vez, em vez de escrever, pegou uma pedra, levantou-se e mirou na testa do bispo, o qual, àquela hora, já havia levantado a batina para correr mais rápido.


06 março 2009

Contagem regressiva para o espetáculo

Está chegando a hora! No dia 22 de março de 2009, dia previsto por Nostradamus como um marco para a dramaturgia pré-apocalíptica, Marte vai alinhavar com Saturno, e Urano vai furunfar com Vênus e cá na Terra estreia "O Vendedor de Palavras - o Espetáculo".

Nesse dia, diariotribalistas do mundo inteiro voarão para o sul para se acasalar e apreciar a peça encenada ao ar livre, no Brique da Redenção, Porto Alegre (RS), Brasil. O espetáculo começa ao término das 12 badaladas diurnas.

A matéria acima é do jornal gaúcho Correio do Povo e conta a história da montagem do espetáculo e do grupo Mototóti que está fazendo uma primorosa produção com figurinos, máscaras, um belo cenário e uma trilha musical composta especialmente para o show. O roteiro está belíssimo. A história ganhou um romance e traz várias brincadeiras com a literatura e com as palavras. Simplesmente imperdível!

Rachem o querosene dos jatinhos, os pedágios (para os que forem de van) ou aproveitem as promoções da Gol, da Tam e da Azul. Grupos têm descontos especiais.

Quero ver todos vocês lá!

P.S.: Na foto do jornal entre o bandolim de Carlos e o acordeão de Fernanda está "O Vendedor de Palavras", livro finalista do "Prêmio Cácado" na categoria deboche e que contém a crônica que deu origem ao espetáculo.


04 março 2009

Resposta a uma ex

Resposta a uma ex
Fábio Reynol

Ontem recebi uma carta de amor. Dessas de relacionamentos passados dizendo que sentem a nossa falta, que precisamos voltar e blá-blá-blá, blá-blá-blá... Na verdade, achei muito cara-de-pau da parte da remetente, pois além de ela ter plena ciência de que já estou com outra (e muito bem, obrigado) com certeza se fez de sonsa fingindo esquecer-se do nosso conturbado rompimento. Indignado e furibundo, respondo-lhe publicamente neste blog:

Ex-querida,

Qual não foi minha surpresa quando abri sua cínica cartinha. Aquele “volte”, aquilo de dizer que sente a minha falta, aquela melosidade ridícula foram de uma hipocrisia grotesca. Quando em nosso relacionamento trocamos afagos? Você simplesmente se resumia a desempenhar o seu papel e eu o meu. E assim caminhávamos tranqüila e honestamente. Não era, nem nunca seria, uma relação caliente. Sejamos francos, não morríamos de amores um pelo outro, mas nos dávamos bem e isso nos bastava.

Não vou negar que no início era bom. Você estava sempre ligada e me ajudava em horas difíceis. Naquela época, eu ainda conseguia falar. Com o tempo a coisa foi mudando, a sua intensidade foi desaparecendo, você foi emudecendo e a relação começou a azedar. Logo nas primeiras viagens que fizemos você ficou muda. Em Monte Verde, você me deixou na mão, sem dar uma palavra sequer. Quando fomos a Caconde, você simplesmente não me deixava falar. Fiquei possesso, mas não briguei.


Tudo isso era tolerável. Mas você começou a me irritar mesmo quando eu estava na minha casa. Lembro-me de um feriado inteiro em que você fechou o tempo e fiquei quatro dias sem ouvir palavra. Nem sinal de você! Acho que foi naquela ocasião que a sua batata começou a assar na minha caçarola e eu comecei a olhar para as outras. Cheguei a procurá-las, mas ainda não estava pronto para uma nova experiência e me mantive fiel.


Porém, não demorou muito e veio a gota d’água. Parece que oito anos de relacionamento não significaram nada para você. Cheguei a pensar, veja que inocência, que a nossa relação seria para sempre! Então, por consideração e um mínimo de decência que ainda deve lhe restar, me diga como você pôde me roubar daquele jeito? Você chegou a levar mais de 70 reais dos melhores créditos do meu celular!!! Naquela hora percebi que você só queria o meu dinheiro. Quando fui tirar satisfação, você nem quis me receber. Lembra do que me disse no shopping? “Você não assinou nenhum contrato comigo! Não tenho obrigação de falar com você nem de dar satisfações!”, foram exatamente essas as suas palavras.


Hoje, você vem com a cara-lisa e uma cartinha melosa pedindo para que eu volte? Cachorra! Só tenho uma resposta para você:


Voltar para você, Vivo? Nem morto!


Do seu ex-pré-pago,


Fábio Reynol




A cínica mandou até fotinho: