28 janeiro 2009

O menino que queria uma estrela

O menino que queria uma estrela
Fábio Reynol

Eram só os dois debaixo da noite clara, quando o pequeno olhando firme para o céu falou:

- Pai, me dá uma estrela?

O homem perturbou-se. Estava ali um menino que queria uma estrela. Por um acaso dos ventos, era o seu filho. O que no mundo acenderia tal desejo no coração de uma criança? Está certo, pensou melhor o homem, o pedido não poderia vir de um adulto. Os adultos não querem saber das estrelas. Se as olham é para ver se nelas há gás, se são anãs brancas ou supernovas, se estão a tantos milhões de anos-luz, se vão explodir ou nascer, coisas absolutamente irrelevantes para quem recebeu a tarefa de entregar uma delas ao próprio filho. Será que os homens que estudam o céu já pediram alguma vez uma estrela aos seus pais? “Acho que não”, concluiu.

O menino que queria uma estrela aguardava em silêncio a resposta do pai. Fitava hipnotizado o pontilhado céu. Pescoço esticado, esperava sem pressa as interlocuções do perturbado adulto. Imaginava onde guardaria sua estrela, se debaixo do travesseiro ou da cama, num lugar onde a mãe não fosse danar com ele, “menino, tire essa estrela do caminho que alguém vai tropeçar nela!” Depois pensou se o deixariam levar sua estrela para a escola. A mostraria orgulhoso aos colegas, diria que fora presente do pai gigante que esticou longe o braço e, como que arrancando a suculenta jabuticaba do galho mais alto, colhera uma estrela que brilhava forte na palma de sua mão.

O pai do menino que queria uma estrela agora pensava na própria infância. Tentou lembrar por que razão ele nunca havia pedido uma estrela ao seu pai. Relembrou vários momentos de criança, de como era bom roubar doces na cozinha, brincar debaixo da chuva e de ficar até tarde da noite acordado só para não ter que dormir na hora certa. Nessas noites, ele costumava ver céus povoados de galáxias. Pensava se um disco voador viria lhe falar que ele era um dos pontinhos brancos vistos lá do planeta dele. Lembrou-se também duma noite em que começou a contar as estrelas e dormiu no chão antes de terminar. Mas nunca se lembrou de pedir uma delas ao pai. Perguntou-se se teria sido mais feliz se tivesse ganhado uma estrela. Não conseguiu responder.

Enquanto isso, o menino que queria uma estrela brincava em pensamentos com a estrela que ainda não tinha. Fitando uma a uma no espaço, imaginava por que haveria de existir tantas estrelas se não fosse para serem distribuídas às crianças que precisassem delas. E ele precisava de uma. Era uma questão de fe-li-ci-da-de. Como uma criança poderia ser feliz sem uma estrela? “Não. Não há como”, o menino respondeu-se.

O pai do menino que queria uma estrela desceu dos pensamentos, abaixou a cabeça e observou o filho pequeno lá perto do chão. Olhou novamente para o cosmo e sentiu-se incrivelmente próximo dele. Era de fato um gigante que tocava o céu com as mãos. Sentiu-se maior ainda porque tinha a missão de buscar uma estrela para um menino. Nunca lhe haviam confiado uma tarefa tão preciosa. Em silêncio, o homem esticou não um, mas os dois braços para o universo e enlaçou o céu com suas mãos gigantescas. Colheu um punhado de estrelas da constelação mais brilhante, chacoalhou as mãos juntas em concha para sair o excesso, olhou as que sobraram e dentre elas pinçou a mais bela. Aconchegou-a delicadamente entre as mãos como quem carrega um pintinho recém-nascido. Agachou-se para o filho.

- Abra o bolso.

O menino obedeceu com os olhos arregalados de felicidade, mal acreditando no que via. Fechou a boca do bolso com as duas mãozinhas para não deixar nem um pingo de luz escapar. Ainda inebriado, estendeu uma mão ao pai e manteve a outra no bolso segurando a sua estrela. Em silêncio, o pai e o menino que tinha uma estrela voltaram para casa emocionados por levarem consigo um pedaço daquele céu.

23 janeiro 2009

A alucinação de J.Anhaia

Seo José ligou.
- Fábio, tudo bem?
- Tudo. Tudinho mesmo. E por aí, como vão as férias?
- Pois é... Foi por isso que eu liguei...
Nessa hora, eu imaginei "pronto! Aí vem crônica!" Não deu outra:
- ...lembra da lâmpada que piscava no quarto? Continuou ele.
A pergunta era retórica, claro que eu me lembrava. Virou uma das crônicas mais famosas deste diário e até publicada em livro. Nessa hora, peguei papel e caneta para anotar.
- Só um minuto seo José - e ajeitei a caneta na mão e o papel sobre a mesa - lembro sim! O que acontece? A lâmpada voltou a falar com o senhor?
- Que nada. Mas, sabe aquelas horas em que você vai dormir e fica olhando para o teto?
- Sei não, seo José. Quando eu vou para a cama eu fecho os olhos.
- Pois é... eu também. Mas eu costumo ficar um pouco olhando para o teto antes de dormir. É para esperar o sono chegar, sabe?
- Imagino... Mas e a lâmpada? Transmitiu algum sinal do além?
- Não! Esqueça a lâmpada. Só lembrei dela porque o caso é parecido.
- E qual é a história dessa vez?
- Uma noite, quando eu estava olhando para o teto do quarto, vi o céu todo estrelado, lá mesmo no forro. Eu enxerguei milhões de estrelas, como se fosse uma noite superestrelada.
- O senhor grudou estrelinhas fosforescentes no teto?
- Não, não. Era o céu mesmo. Vi galáxias gigantes no teto do quarto.
- O que o seu médico disse sobre isso?
- Isso não é caso pra médico. É caso para quem entende do espaço. Por isso, eu estou ligando pra você.
- E eu lá sou ufólogo, seo José?
- Não. É que você entendeu o caso da lâmpada. Acho que você pode decifrar esse também.
Pronto, virei analista de fenômenos sobrenaturais do quarto interestelar de J.Anhaia, pensei com meus cadarços. Ele continuou:
- Descobri também que se eu apertar um pouco os olhos com os dedos, o negócio fica ainda mais brilhante.
- Seo José, o senhor está tomando muito remédio?
- Não. Não é remédio, não. Faça isso, aperte o olho também. Você vai ver só que impressionante!
- Pare de apertar a vista, seo José! O senhor vai acabar furando a bola do olho!
- É de leve! Só um pouquinho, até começar a brilhar. Dá para enxergar longe. É a coisa mais linda!
- Às vezes quando a gente coloca carpete em casa, a cola solta uns gazes... - provoquei.
- Não é cola, nada. Eu nem bebo mais antes de dormir. O que será isso, hein?
Para responder uma pergunta tão profunda, precisei parar, ponderar, analisar as variáveis, compor uma equação e responder da maneira mais racional possível:
- Seo José, para ser franco acho que tudo isso não passa de uma continuação do episódio da lâmpada. O teto do seu quarto é simplesmente um portal interestelar com uma maçaneta defeituosa. A maçaneta deve ser a lâmpada, as suas ondas mentais ao tentar dialogar com a dita-cuja devem ter forçado a lingueta, o que arrebentou o fecho e acabou escancarando o portal. Eu sugiro que o senhor pare de apertar os olhos e (como dizia a mãe da menina Caroline) afaste-se da luz. Caso contrário, o senhor poderá parar em outra galáxia ou mesmo em outra dimensão.
Ele deu-se por satisfeito:
- É por isso que eu gosto de conversar com você, Fábio. Você tem sempre uma explicação plausível para tudo!
No dia seguinte quando ele contou a história a uma colega de trabalho, ela retrucou:
- Eu vi no Globo Repórter que enxergar estrelas é desnutrição e problema de pressão.
Ele ficou indignado:
- Eu não acredito nessas histórias mirabolantes que a TV conta!

15 janeiro 2009

O mundo sem Lua

Foi numa semana de Lua nova que a professora olhou para a classe e pediu uma redação sobre como seria o mundo se a Lua não existisse. Os trabalhos ficaram muito bons, mas o do Lindonaldo, de 11 anos, superou qualquer expectativa:

O mundo sem a Lua

Sem a Lua não haveria mais lobisomens. Os vampiros iriam dominar sozinhos as florestas e as histórias de terror. A quantidade de gente mordida por esses monstros aumentaria muito e espalharia a AIDS até para quem transa de camisinha. O Ministério da Saúde iria fazer uma campanha de vacinação contra hepatite do tipo vampiresca e o dos Transportes espalharia cartazes para os vampiros: “Se for dirigir, não morda os bêbados”.

O homem não precisaria mais pisar em lua nenhuma, por isso, podia parar de apostar corridas espaciais e Houston não teria mais problema nenhum.

São Jorge ficaria sem casa e o seu dragão teria que ir para um parque de diversões nos Estados Unidos. O santo poderia fazer apresentações no parque do Beto Carrero ou pedir emprego para o papa para ser garoto propaganda da Igreja.

E o melhor de tudo: sem a Lua ninguém mais teria que fazer redações sobre ela.