15 novembro 2022

Manejo ambiental moderno

Foi se sentar na mesa em que rolava o debate mais acalorado. O casal de amigos discutia alto. Ela gesticulava passando os braços a poucos milímetros da garrafa de cerveja. Ele ponderava discreto batendo a lateral das mãos na mesa protegendo o próprio copo:

– ...eu só estou dizendo que sou um apreciador desse tipo de paisagem.

– Mas nós temos o direito, sim, de devastar a mata nativa e todo o entorno, ou deixá-la como está, e ninguém tem o direito de interferir.

O recém-chegado, biólogo e ambientalista que era, e com pós-graduação na área, não poderia ficar de fora do assunto:

– Veja bem, não posso concor...

– ...eu sou a proprietária da área e ninguém tem nada a ver com o que eu faço com ela. Interrompeu-o a mulher como se ele nem estivesse na mesa.

O outro continuou fitado na interlocutora e também o ignorou:

– Eu só estou dizendo que acho bom manter pelo menos a vegetação de topo de morro.

Ficou feliz pelo amigo ter uma visão mais sensata do assunto, ao mesmo tempo em que sentiu uma pontada de decepção ao descobrir que a amiga de longa data não tinha o tinha o mínimo entendimento sobre o papel ambiental da cobertura vegetal. Virou-se:

– Garçom, um copo, por favor.

O garçom era o único que o ouvia ali. Metade da família da mesa ao lado parecia acompanhar interessada a discussão, duas crianças se entretinham com celulares, enquanto os pais, mudos, revezavam entre trocar olhares marotos entre si e fitar a mesa dos três amigos.

A amiga não parou nem fez questão de notar a chegada do amigo, do garçom e agora do copo:

– Só quem mantém a mata nativa sabe o transtorno que é para cuidar – bradou a moça.

– Eu entendo, mas há razões nos dois lados...

Achou aí que o cara iria defender a causa ambiental, aproveitou para tirar a garrafa do trajeto afoito dos braços da menina e encheu o próprio copo. O amigo nem parou de falar:

–...sei que a manutenção dá trabalho. Mas acho que é bom manter, pelo menos, a vegetação de topo de morro. Acho bonita. Sou um apreciador da mata, cada uma é de um jeito, a primeira curiosidade que tenho é saber como é o tipo de cobertura, se é alta ou rasteira, abundante ou rala, adoro me perder nesses matagais...

A cabeça do especialista já se contorcia pelo amigo que usava argumentos estéticos para defender algo que é muito mais do que decorativo, mas deixou-o continuar.

– ... agora, eu concordo com você que a mata ciliar atrapalha muito. Apesar de muitos especialistas dizerem que ela protege as margens, é bem verdade que ela dificulta a limpeza, mas principalmente atrapalha, e muitas vezes até inviabiliza, a execução de “serviços ambientais” – as duas últimas palavras saíram acompanhadas de aspas feitas com os dedos.

Foi o suficiente para o seu ego do especialista gritar por dentro e ele, por fora:

– BASTA! Ouvi muita bobagem de vocês aqui. Agora vocês vão me ouvir.

Os dois pela primeira vez o olharam e ele desfiou seu rosário ambiental de ecologista. Contou dos ciclos das florestas, do equilíbrio delicado entre flora e fauna, da vegetação protetora da erosão.... e blá, blá, blá... terminando o discurso com as abelhinhas que dependem da mata nativa para se reproduzir e assim polinizar o planeta!

– Terminou? Eu vou ao banheiro – levantou a amiga da mesa com desdém e falta de paciência.

Virou-se ele ao amigo:

– O que foi? Falei alguma besteira?

– A gente discutia depilação íntima feminina.