É com o coração enxaguado nas águas do Tejo e aromatizado com as essências da bacia do Tietê (onde os paulistanos tomam seus banhos tchecos durante as enxurradas de março), que vos anuncio a maior parceria Brasil-Portugal desde que Felipão colocou Portugal acima do Brasil na última Copa e que Zeca Baleiro se juntou a Sérgio Godinho para ficar cantando as velhas que ainda dão no coro.
Menos famoso que Baleiro, o sudestino que vos escreve, Fábio Reynol, uniu letras com a luso-portuguesa menos rica que Godinho, Ana Pessoa, escritora-blogueira e tradutora nas horas vagas. Nasceu assim o projeto Brasil-Portugal, Uma Relação de Língua.
Radicada na Bélgica, Pessoana alimenta fantasias e o blog Belgavista. O nosso primeiro trabalho em conjunto é o folhetim "O fiscal", no qual intercalamos as autorias dos capítulos para assim acabar de vez com o mito de que Portugal e Brasil falam a mesma língua.
E aí? Vamos ficar com a língua de fora ou com a língua de dentro? Com vocês, o primeiro capítulo de "O fiscal":
O fiscal
Capítulo I – Fábio Reynol
Reticente e incomodado foi o fiscal de palavras ter com a portuguesa que usava mal, segundo ele, o português. Muito mais incomodado do que reticente, a bem da verdade, a ponto de deixar as reticências ao largo para atravessar a Rua Atlântica a fim de tirar satisfações com a mulher. A pedra no sapato do homem era um pedaço de papel de pão no qual a mulher havia escrito: “De facto, um óptimo negócio. Compre.”
Eis a razão da hesitação do fiscal: ele não era o destinatário do bilhete. Esse fato o transformava num intrometido e o colocava na obrigação de explicar como o papel que não lhe dizia respeito havia parado em suas mãos. Seu dever de defender a boa língua portuguesa, no entanto, falava mais alto do que a vergonha de assumir a própria indiscrição.
Outro empecilho dessa empreitada era a sua bizarra profissão que, pelo simples fato de ela não ser reconhecida por ninguém com exceção dele próprio, era motivo de chacota e desdém por aqueles que eram interpelados por um dito fiscal de palavras. Mas quanto a isso, ele já estava acostumado e não seria esse o impedimento para cobrar o zelo esperado de uma mulher nascida no nobre berço da língua.
Abra-se um parêntese necessário. A nomeação de um fiscal de palavras se dá, naturalmente, a alguém que conheça a língua, mas principalmente a uma pessoa que acredite que terá autoridade sobre as demais para cobrar e ver cumprir o bom uso da palavra. Em outras palavras, um louco. Fechemos o parêntese.
Lá foi ele, chapéu na cabeça e prova do crime no bolso. Esta obtida de maneira vil e ilegal, como já frisado. Atravessou a Atlântica sem molhar os pés e bateu na porta da casa sentindo ares de uma autoridade policial. A porta entreabriu-se.
- O que deseja? Respondeu a própria suspeita colocando a cara na fresta.
- Minha senhora, eu sou fiscal de palavras da língua portuguesa. Disse ele mostrando uma folha amarela e surrada, a mesma que tinha sido carimbada em cartório e que havia sido rejeitada pela secretaria da Academia Brasileira de Letras e rechaçada pela Embaixada Portuguesa em Brasília, ambas as instituições se recusaram a dar mais combustível a tal insanidade.
- O que deseja? Repetiu a mulher sem se dar ao trabalho de ler o conteúdo da folha.
- Este bilhete é de sua autoria? (continua no Capítulo II)
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2 comentários:
Ai! Queremos mais!!!! :) Boas viagens em conjunto... podemos apanhar boleia com vocês?
Oh! Eu comentei ontem e aqui não apareceu nada ainda!!! Ohhhh
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