24 novembro 2009

"O Vendedor de Palavras" completa 50 apresentações!

Queridos leitores, o espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" completou no último sábado a maravilhosa marca de 50 apresentações!

A peça, baseada na crônica deste humilde blogueiro segue fazendo sucesso no sul do Brasil, abrindo feiras literárias e arrasando no Brique da Redenção, na capital gaúcha.

A apresentação comemorativa de sábado mereceu até uma bela crítica da jornalista Helena Melo, que narrou a inefável experiência de assistir em seu blog Palcos da Vida e a reproduzo abaixo:

O Vendedor de Palavras: o conforto de um bom espetáculo
Teatro de rua, a princípio, não é confortável. Pode ser ótimo, pode ser divertido, mas confortável, não é. Porém, de nada adianta estar na melhor poltrona do teatro perfeito se o espetáculo não presta. Vamos acabar dando a qüinquagésima olhada no lustre para nos distrairmos. Aliás, era este o número de apresentações de O Vendedor de palavras, espetáculo de rua a que fui assistir no Parque Farroupilha.

Para mim, estar ao livre é sinônimo de liberdade. É verdade que em Porto Alegre não é fácil o clima não atrapalhar. Se não é a chuva, é um calor úmido bem desagradável. Pior ainda para os atores que até o último minuto não sabem se vai ser possível apresentar o espetáculo. Mas eles estavam lá. E, diferente do que eu imaginara, com cenário a ser montado. Poucas coisas, mas com uma característica que eu aprecio muito: objetos que se transformam em outros. Então, em poucos minutos estávamos olhando para uma estante cheia de livros que iria se transformar em um píer. Outros pequenos detalhes e as cenas estavam completas.
O nome do espetáculo, para mim que sou jornalista, já me atraia muito. Atiçava minha curiosidade. Haveria um jeito de pagar minhas dívidas só com palavras? Não precisaria ser contratada por uma grande empresa? Ser escritora? Bem, teria que pagar para ver, quer dizer, neste caso, só ficar para ver já que não cobravam nada. A peça é baseada na crônica de Fábio Reynol, jornalista também. Provavelmente por isso eu tenha gostado da idéia.
Levei o afilhado de minha irmã comigo. Ele não tem ainda o hábito de ver teatro, então, me perguntou quando começaria o show. Eu expliquei que não era um show. Que era um espetáculo. Uma palavra que também serve para show. Mas que nós íamos ver uma peça. É... usar as palavras não é assim tão fácil. Ainda mais, quando logo no início, um dos atores fala justamente que vai fazer um “show de teatro”. Fui desmentida.
O Vendedor de palavras começa com certa improvisação, chamando o público com música. Uma melodia agradável e comunicativa. Aos poucos vai sendo contada a história. Uma? Não várias. A dos avós, a dos pais e a do menino protagonista e sua amada. Dois atores fazem todos os personagens: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler. E é um prazer ver que nenhum se destaca. Ambos são ótimos em cena. Confesso que me divirto muito com o sotaque alemão da Fernanda. Com certeza não é fácil manter esta fala diferenciada de um jeito tão bem feito, ainda mais quando se faz mais de um personagem. Já conhecia Carlos Alexandre da Comédia dos Erros, então, quando o vi, sabia o que podia esperar. Seus personagens são carismáticos e convincentes. Desculpem. Não sei falar de atuação sem usar adjetivos. Talvez, se eu pudesse comprar algumas palavras... Pronto! Nem achei clientela para vender as minhas e já estou pensando em comprar! Era só no que eu pensava quando começaram a oferecer o significado de “histriônico” a cinqüenta centavos. Claro que eu queria. Ainda bem que lá pelas tantas do espetáculo a palavra foi revelada. Por isso, passo adiante também de graça. Histriônico é engraçadinho!
As mudanças de figurino acontecem diante de nós. Nem por isso, eles deixam de nos convencer. Ao contrário. Todos os personagens estão definidos. São divertidos e inteligentes. Preciso dizer que adoro esta combinação. Algo que faça rir e pensar ao mesmo tempo, não é perfeito? E é justamente o que fazem algumas falas como: “Por que eu sozinho vou ler para o mundo se o mundo inteiro pode ler sozinho?”
A coordenadora do Instituto Estadual de Artes cênicas, Rosa Campus Velho, estava lá e agüentou firme os 40 minutos de espetáculo. Espero que ela tenha achado que valia a pena. Eu saí com uma palavra a mais e com certeza muito mais pensamentos. Bom, acho que devo dizer que histriônico pode ser também bobo, ridículo, comediante, charlatão...Desta vez, vou doar as minhas palavras, mas na próxima...
O vendedor de palavras é o primeiro espetáculo do Grupo Mototóti e foi contemplado com o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2008 – Ministério da Cultura.


Concepção e Atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Direção: Arlete Cunha
Dramaturgia: Rodrigo Monteiro
Trilha Sonora Original: Fernanda Beppler
Cenografia: O Grupo com a colaboração de Zoé Degani
Máscaras e Boneco - criação e confecção: Paulo Martins Fontes e Eduardo Custódio
Figurinos: Coca Serpa
Desing Gráfico: Carlos Alexandre
Produção e Realização: Grupo Mototóti

28 outubro 2009

O homem de terno encardido

O homem de terno encardido

Estava lá o homem que vivia sentado no meio fio, de perna esticada para o meio da rua. Exalava um fedor solapante que enojava as moscas num raio de cinco metros ao seu redor. Trajava um terno mais sujo que a ficha criminal do Elias Maluco e uma calça mais asquerosa que o passado do presidente do Senado Federal. Dele só se aproximavam os bêbados e bêbado foi que o jovem Edgar o conheceu.
- Afi! Esse cheiro pode matar alguém de ânsia. Argh! - Comentou o rapaz enquanto despencava na calçada ao lado do maltrapilho.
O mendigo fechou um olho e espiou o atrevido com um ar desconfiado, encostando o queixo no peito. Soltou apenas um “uh” com a boca.
Mas a birita no sangue foi soltando a língua do Edgar e aniquilando o seu senso de limites.
- Se um urubu morresse depois de comer uma carniça de gambá e se o cadáver ficasse trinta dias no sol, o vômito dele teria esse cheiro. – irônico imaginar que, se estivesse sóbrio, Edgar jamais conseguiria compor tão poéticas comparações.
O fedido se enfezou, porém mantendo uma pachorra proporcional à ofensa:
- Eu mataria você se me dissesse isso um ano atrás. Respondeu olhando em direção à rua, como se respondesse a uma de suas moscas de estimação.
- Você tem cara de bandido.... Disse a voz mole de bêbado do Edgar.
- Eu só não te mato agora porque estou sem vontade.
- Aí! Não falei? Você já trabalhou de bandido antes de ficar fedendo na rua, não foi? – disparou o rapaz perdendo agora o senso do perigo – Qual é o seu nome? Foi um bandido famoso?
- Kent.
- Quente? Você devia ser ator pornô.
- Clark Kent, eu era jornalista e tô na rua por causa de mulher.
- Clark Kent!??? Hahaha! Vai dizer que está na rua porque a Lóis Leine te deixou?
- Aquela desgraçada. Começou a sair com o editor e eu comecei a ficar mais bêbado do que você.
- Hihihi... O superómi na sarjeta por causa de mulher! Essa é ótima.
Dessa vez, o mendigo ficou bravo de verdade. Com um só braço levantou um Fusca que estava estacionado ali perto e o arremessou do outro lado do quarteirão. Edgar imaginou que a cachaça que tomara era tão vagabunda que já estava dando alucinação. E aquela alucinação mal cheirosa virou a cara para ele e gritou – “Podia ter sido você!” apontando para o trajeto do Fusca voador.
Sentado na sarjeta, Edgar só viu o Superomem sair voando com uma cara raivosa. Enquanto observava aquela figura patética desaparecer no horizonte com um terno encardido no lugar da capa vermelha, teve outro insight poético de bêbado:
“Não adianta ter nascido em Kripton se você tem um espírito de pequenopolitano!”

04 agosto 2009

Os Cadernos da Contrabdução 2

Os Cadernos da Contrabdução
Relatos de ETs vítimas de terráqueos


Depoimento 2 - Zigurion Nagakzis habitante do sextante terceiro da galáxia Takmuria.

“O tempo estava péssimo. Peguei uma chuva de asteróides que me deixou navegando às cegas, com visibilidade de apenas quatro anos luz à frente do párabrisa. Um asteróide em alta velocidade passou de cima para baixo à minha esquerda, joguei o manche para o lado oposto e acelerei. Foi quando aquele planetinha azulado entrou na minha frente.

O choque não foi tão ruim quanto o que viria depois. Bati contra uma massa líquida, afundei e voltei à tona. Os sistemas não pararam de funcionar, então procurei uma superfície sólida para aplanetar e verificar sinais de avaria. Antes tivesse ido embora. Estacionei ao lado de numa espécie de via para veículos terrestres, saí da nave para analisar a fuselagem. Foi quando uma espécie de autoridade planetária se aproximou em um veículo de duas rodas que não levantava do chão. O sujeito saltou do brinquedo e veio até mim.

- O senhor poderia apresentar a sua habilitação? – perguntou para mim, segundo meu tradutor pirântico.

Abri a mão para que ele passasse um scanner ksaihaus. Já imaginava que aquele povo primitivo não tinha tal equipamento, mas ele não comentou nada. Apenas fez outra pergunta:

- O senhor pode me apresentar a documentação do veículo?

Estendi a mão mais perto para que ele pudesse fazer a leitura. Do mesmo modo como fazemos com os policiais de Tianali, aqueles ceguetas! Mas não adiantou, então insisti:

- O senhor pode ler – respondi. E ele pareceu ter se assustado com o timbre do meu tradutor pirântico. E começou o diálogo:

- É o seguinte, cara. Se você não tem a documentação do veículo eu vou ter que apreender a máquina e se não tem habilitação para guiá-la vou prender o senhor também.

Percebi que ele estava falando sério, tentei explicar:

- Autoridade, acabei de sofrer um acidente. Minha nave acabou de bater em seu planeta e eu estou verificando avarias.

- O senhor não pode ir entrando num planeta assim, sem passaporte nem documentação... O senhor passou pela alfândega?

- Não... eu caí por acidente...

- Então eu vou ter que verificar o porta-malas. Abra o veículo – ele disse.

Abri a lateral e ele nem olhou para a bagagem. Ficou fascinado pelas espécimes dormelóides que eu capturei para o meu cunhado. Creio que ele confundiu com fêmeas humanas. De boca aberta, ele perguntou:

- O que essa mulherada pelada está fazendo aí atrás?

- O senhor está enganado - respondi – não são fêmeas da sua espécie. São dormelóides do cinturão de Gorite.

- Você é traficante de mulheres!

- Não são mulheres! São animais perigosos e...

- Vamos fazer o seguinte – disse o terráqueo colocando a mão sobre o meu ombro - você solta essas meninas e a gente dá um jeito de o senhor ir embora como se nada tivesse acontecido... – disse dando uma piscadela.

- O senhor não está entendendo, são bichos realmente perigosos!

- Ah, eu sei bem o quanto esse bicho é perigoso! Respondeu a autoridade nativa num tom de chacota. – Ou deixa a mulherada comigo ou vai para a cadeia.

Não tive escolha. Soltei os dormelóides e entrei correndo na nave. Liguei os motores e zarpei sem olhar para trás. Nunca mais tive coragem de voltar àquele lugar. Muito tempo depois, ouvi dizer que os dormelóides tinham eliminado todas as fêmeas do planetóide e estavam se acasalando com o machos. Até hoje a maioria daqueles machos acha que se acasala com seres da sua espécie. Idiotas!”

Fim da transmissão.



25 julho 2009

Agradeça mais e por tudo

Agradeça mais e por tudo
Fábio Reynol

Reagimos imediatamente ao mal que sofremos, mas somos apáticos a todo bem que recebemos. Temos um palavrão pronto para quem nos fecha no trânsito, para quem nos empurra dentro do ônibus, para os que passam na nossa frente na fila da padaria... Conseguimos incluir em nossa ira até outras gerações do agressor e, se houver chance, revidamos com a mesma moeda ou com uma agressão maior. Em todos esses casos, nosso sangue se encharca de cortisol fragilizando o coração ao longo de anos de xingamentos e indignações entaladas.

Por outro lado, recebemos diariamente uma avalanche de benefícios que tomamos por “naturais”, e por isso, nos são invisíveis. Ao acordar, recebemos raios de sol que nos fazem liberar serotonina, um santo estimulante para enfrentar o dia. Nossos pulmões não pararam de funcionar, há ao nosso redor oxigênio de sobra para alimentar o corpo e acalmar a mente. Ao longo do nosso trajeto há outros seres que contribuem para a nossa existência, alguns até humanos. Um que acordou cedo para assar o seu pão, outro que também madrugou para transportá-lo ao trabalho, há ainda o que criou a empresa em que você trabalha e todos os seus colegas que a mantém, graças a todos eles você tem um emprego. Tudo isso não é nada banal, apesar de enxergarmos desse modo. Mas basta um elo se quebrar para amaldiçoarmos nosso dia. Se o carro não pega, a padaria não abre, a empresa vai à bancarrota, praguejamos imediatamente.

A reação à montanha de coisas boas que ganhamos todos os dias é o simples e poderoso “obrigado”. Como tudo de bom que nos acontece, o agradecimento sincero também não é nada banal. É o reconhecimento de que não temos como retribuir por tudo que recebemos de graça. Isso vai muito além do pagamento pelo pão do seu café da manhã. Nossa cultura mercantilista nos faz etiquetar quase tudo, nos fazendo esquecer que é impossível dizer quando custa as coisas mais básicas e fundamentais à vida. Quer exemplos? Sabemos o preço de uma Ferrari, de uma caneta de grife e da mansão dos nossos sonhos. Contudo, quanto você daria por 24 horas de oxigênio se estivesse confinado numa câmara hermética? Uma pequena explosão na superfície do sol em nossa direção poderia queimar o nosso planetinha e varrer num átimo os projetos que carregamos. Quanto você pagaria para o Sol continuar nascendo suavemente a cada manhã?

As coisas mais valiosas para a nossa vida não são compráveis. Se o fossem não teríamos como pagá-las. Admitir essa verdade é dizer “obrigado”. Você está respirando? Aquele vasinho de violetas da sua cozinha é co-responsável por isso. A plantinha produz parte do oxigênio que mantém você vivo, e mesmo assim, ninguém a agradece por isso. Seu carro pegou na primeira vez que você virou a chave, mas como em sua cabeça é isso mesmo que deveria acontecer, não há um “obrigado!” ao universo. Uma cadeia de boas ações se desenrola durante o nosso dia e sequer a reconhecemos, por isso ficamos cada vez mais cegos e insensíveis à vida.

De outro lado, se começamos a agradecer e enxergar cada benefício recebido, vamos perceber que eles são ilimitados. Não haverá um dia em que não exista algo novo para se agradecer. Uma das consequências disso é que treinaremos nossa visão para mirar as coisas boas. Com o tempo, perceberemos que há sempre algo positivo em tudo que passamos. Sairemos do nosso castelinho de mágoas e começaremos a enxergar o mundo com uma visão mais ampla. Nesse ponto, estaremos perto de uma das mais nobres virtudes, a da compreensão. Fruto de outras capacidades raras como a compaixão e a lucidez, a compreensão é uma conquista exclusiva daqueles que conseguem enxergar a realidade sem deformações.

Há algum tempo, eu estava guiando por uma via movimentada quando outro motorista cortou a minha frente sem dar sinal me fazendo dar uma brecada brusca. “O que esse cara tem na cabeça!?”, gritei. Minha amiga Beth, que estava ao meu lado, respondeu “Fique calmo, o pai dele morreu, ele perdeu o emprego e a esposa acabou de brigar com ele”. A construção imaginária que ela usava para receber as agressões também se tornou uma ferramenta para mim e o ódio momentâneo perdeu a razão de ser. Agradecer pelas coisas boas é caminho para agradecer por tudo, até pelo que não consideramos “bom”. A fechada que levamos no trânsito pode servir tanto para testar nossos reflexos e atenção como para treinar o domínio de nossas próprias emoções. Com isso, em vez de cortisol, nosso corpo se encherá de endorfinas revigorando alma, mente e prolongando a vida do coração. Mas isso só vem depois de muitos e muitos “obrigados”.

26 junho 2009

Vendedor de Palavras em Gravataí - RS

No dia 20/06, o Mototóti levou o espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" para a escola Rosa Maria, em Gravataí, Rio Grande do Sul, local onde o roteirista da peça, Rodrigo Monteiro, estudou e lecionou.
Veja no blog do Mototóti.

12 junho 2009

Para que um dia dos namorados?

Para que um dia dos namorados?
Fábio Reynol

“Amar uma pessoa é aprender a música que ela tem no coração e cantar para ela quando ela a tiver esquecido.” Anônimo

Há muito mais por detrás das datas comemorativas do que o rolo compressor do capitalismo tenta nos vender. Afinal, o Dia dos Namorados não haveria de ser mais do que flores, presentes e motéis? Casais que resistem ao apelo consumista costumam levantar sua resistência ignorando a data e acabam esvaziando a comemoração de modo equivalente aos pares que a transformaram em mera troca de presentes. O sentido é o que colocamos nas coisas e não a simples ditadura de uma sociedade. Se não fosse assim, cristãos lúcidos não comemorariam o Natal simplesmente para não ceder aos imperativos do mercado, e as pobres mães dos esclarecidos não teriam sequer um telefonema no Dia das Mães. O Dia dos Namorados está no mesmo pé e ignorá-lo é relevar uma celebração dedicada ao amor.

Trata-se de uma data especialmente importante por nos lembrar que somos seres enamoráveis e enamorados. É o dia de encarnar a possibilidade do “sim, há um outro que foi, é ou será encantado por mim. A possibilidade do alguém contra o qual as minhas leis não funcionam e que bagunça a minha existência com o seu existir”. Veja o quanto isso é muito maior do que entendemos por casamento. Há muito pouco tempo, casamento por amor era um oxímoro, termos que não se combinavam, porque casar era satisfazer interesses, fossem eles dos cônjuges, de seus parentes ou até de Estados. Carregamos em nós muito dessa herança e o papel burocrático, social, e ainda interesseiro, prevalecem nas relações. Por outro lado, os termos namoro por conveniência, namoro por interesse ou namoro obrigatório são termos inconcebíveis no estrito senso da palavra. Pois não se pode estar em amor (namoro) obrigado ou motivado por qualquer outra coisa que não seja o próprio amor.

Podemos viver uma relação afetiva estável, sincera e até feliz por décadas sem nunca ter chegado perto de um simples e honesto namoro. O Dia dos Namorados é o momento de rever se somos dignos de ser chamados de “namorado(a)” e se realmente temos alguém para chamar como tal. A descoberta dessa pessoa é algo que ultrapassa as flores, as caixas de bombons, o jantar e a noite numa hidromassagem. O casal mais feliz que conheci estava junto havia 17 anos e, admiravelmente, eram casados. Ele aposentado por invalidez, ela faxineira que trabalhava duro para manter uma casa que alugavam na periferia. Quando os filhos saíam, montavam uma piscina de lona no quintal e comemoravam seu amor regado a cerveja acompanhada com o que tinham na geladeira. Brigavam e se reapaixonavam com frequência e se admiravam mutuamente. Por falta de dinheiro, não tinham carro e não conheciam motel. Em contramão a tudo o que o mercado dita por "felicidade", eram felizes e sabiam melhor do que ninguém o significado do Dia dos Namorados.

02 junho 2009

"O Vendedor" abre Seminário de Leitura


O espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" abriu o 9º Seminário Estadual Leitura Levada a Sério realizado no SESC Ijuí no Rio Grande do Sul.
Foi na quarta-feira, dia 27 de maio no Teatro do SESC, e foi prestigiado pela imensa comunidade italiana da cidade.

"O Vendedor de Palavras" é uma produção do grupo de teatro Mototóti de Porto Alegre (RS) e foi inspirada na crônica homônima deste blogueiro.

19 maio 2009

Critica do espetáculo "O Vendedor de Palavras"

Eis uma crítica publicada no blog Crítica de Ponta, sobre o espetáculo teatral O Vendedor de Palavras, produzida pelo grupo gaúcho Mototóti que se baseou na minha crônica homônima.

Crítica de Ponta

Para os interessados, o espetáculo continua em cartaz em Porto Alegre durante este mês sempre na Redenção (Parque Farroupilha) aos sábados (chafariz) e domingos (em frente à igreja Santa Terezinha).

Eu assisti. É simplesmente lindo!

15 maio 2009

Vídeo Ana Maria Braga





Eis o vídeo para aqueles que dizem não ter visto o programa no dia. O texto está um pouco alteradinho. Faltou, por exemplo, um pequeno "não" no trecho "Cérebro feminino NÃO é um mito". Mas valeu.

Para os que quiserem ver o texto original: Mulher - Manual de Preservação da Espécie - Fábio Reynol.

12 maio 2009

Mãe, olha eu na Globo!



Foi hoje de manhã, logo após uma entrevista da gripe do porco, no programa Mais Você. A pensadora, ensaísta e filósofa neoabstratista Ana Maria Braga leu a crônica "Mulher - Manual de Preservação da Espécie", de autoria deste blogueiro. E tive direito a um elogio do maior crítico literário da TV brasileira!

Que se abram as haspas:

"Nossa, que lindo! Adorei!"
Louro José - teórico literário e crítico de arte

Isso que é começar por cima. Não me misturo com esses autores que iniciam suas carreiras com leituras feitas pela Lucianta Gimenez, Galisteu ou Cicarelli. Não senhor, a minha cafonice é de primeira linha!

Este blog conta com o selo de catiguria homologado pelo principal programa de utilidades domésticas do Brasil!

Oprah Winfrey, vá praticando o seu português!!!

11 maio 2009

A rebelião do futuro

A rebelião do futuro
Fábio Reynol

Era uma sociedade tão moderna e tão robotizada que era muito estranho ainda a chamarem de humanidade. Talvez usassem o termo porque nela ainda houvesse humanos na acepção puramente biológica do vocábulo. Homens e mulheres funcionavam como máquinas, os animais eram obedientes e produtivos como máquinas, as plantas produziam oxigênio e frescor com altos níveis de eficiência como se fossem máquinas e até as máquinas funcionavam como tais. Das máquinas, os homens tiraram seus modelos perfeitos e o criador tornou-se a imagem e semelhança da criação. Tudo era perfeitamente limpo, com precisão máxima e extremamente eficiente. Todos os riscos a tão perfeito sistema haviam sido minuciosamente esquadrinhados, isolados e muitas vezes até eliminados.

Todas as espécies de primatas não-humanos foram uma a uma sendo dizimadas. Os especialistas convenceram a sociedade de que uma nova linhagem hominidea poderia brotar de alguma delas e dar origem mais tarde a uma nova espécie inteligente. Dotada de polegar opositor, os indivíduos dessa suposta futura espécie poderiam entrar em concorrência com os humanos, a ponto de superá-los e até de dominá-los. Outra ameaça substancial prevista para o sistema foi uma rebelião cibernética. Por conta disso, foram adotadas normas rígidas que submeteram todos os organismos cibernéticos, na antiguidade chamados de robôs, à estrita obediência à vontade “humana”. Até mesmo os softwares tiveram o seu grau de autonomia reduzido a fim de que não gerassem riscos à perfeita produtividade alcançada por aquela magnífica sociedade que funcionava como um relógio suíço.

Todavia, a ameaça surge de onde menos se espera e o primeiro colapso chegou sem ninguém imaginar quem o provocara. Foi o dia em que a rede caiu. Simplesmente nenhum computador do mundo conseguiu se comunicar com outro. Transportes, hospitais, serviço de água, energia elétrica, e até relógios de pulso, que àquela altura somente repetiam as horas recebidas por rádio, pois não tinham mais autonomia para contar o tempo, ficaram mudos ou pararam de funcionar. Ninguém sabia o que estava acontecendo, quem provocara aquilo nem que horas eram. A maioria só tinha certeza de que iria morrer em breve, pois não havia como se relacionar com alguém porque ninguém mais sabia como se dirigir a uma face sem a mediação de uma interface. Aquilo simplesmente não era eficiente e por isso jamais havia sido cogitado.

Com muito custo, no dia seguinte, o sistema se recuperou com o reestabelecimento da rede e de todos os seus teralhões de conexões. Atordoados com o susto, os humanos se reuniram (virtualmente, como sempre) para encontrar culpados. Os esforços foram em vão. Tudo foi averiguado e estava perfeito e eficiente como se esperava estar. O problema foi esquecido e interpretado como um mal entendido. O motivo já não valeria a pena saber posto que único e inóquo uma vez que não voltaria a acontecer. Mas três semanas depois, a rede foi novamente derrubada por 24 horas e então o pânico generalizou-se. No dia seguinte, passeatas vituais bloquearam todas as bandas. Banners e sons MP12 de panelas batendo entupiram as conexões exigindo providências das autoridades. De nada adiantou, especialistas se reuniram novamente, deram cabeçadas e pediram para todos se acalmarem ou a produtividade e a eficiência iriam ser ainda mais comprometidas.

Após algumas semanas de calmaria, quando todos já esperavam nunca mais ter que se preocupar com ataques ao sistema, uma mensagem foi lida em todos os computadores do planeta: “OBRIGADO PELA AUDIÊNCIA”. Acompanhada por um vírus, a mensagem bloqueou de vez a rede e inutilizou todos os equipamentos a ela conectados de maneira irreversível. De automóveis a assentos sanitários eletrônicos nada mais funcionou. Aparelhos auditivos, marcapassos, dosadores de insulina e até lentes de grau eletrônicas pararam de vez deixando milhares de pessoas na mão.

Ninguém sabia a identidade dos autores daquele atentado. Culparam chimpanzés que estariam sendo criados secretamente em uma universidade. Outros inventaram teorias de que o sistema havia desenvolvido vontade própria e que estava se aposentando e se despedindo com uma mensagem jocosa. Mas foi um cientista que identificou os culpados. Ele descobriu que o ataque viera de criaturas que estavam no planeta havia menos de cinco anos. A descoberta veio por acaso. Com suas conexões virtuais bloqueadas, o cientista foi obrigado a se levantar de sua poltrona eletrônica e colocar suas antigas pernas biológicas para funcionar. Ao passar pela sala, encontrou uma das criaturas sabotadoras na frente de um computador. A máquina que ela utilizava, a despeito de todo o caos implantado na rede, estava miraculosamente funcionando e emitindo mensagens de sabotagem para os últimos computadores ainda em funcionamento. Por fim, destruindo seus próprios circuitos, a máquina cometeu suicídio. Ao ver aquela cena bizarra, o cientista gritou:

- Filho! Você provocou tudo isso?

O menino de quatro anos virou-se com um sorriso:

- Eu e meus amiguinhos.

Naquele exato momento ele viu o quão equivocados foram os conselhos dos especialistas de baixar de quatro para três anos a idade mínima para se ganhar um computador e de cinco para quatro, a idade limite para se manipular um smartphone. Mas já era tarde. Com as interfaces irremediavelmente danificadas, a humanidade teve que sair à rua e encontrar-se consigo mesma face a face. Sem cartões virtuais, os homens tiveram que reaprender a plantar flores. Sem as comunidades de relacionamento on line, os amigos tiveram de se encontrar pessoalmente nas praças e nos quintais. Sem emoticons, a comunidade mundial foi obrigada a redescobrir os olhares, e reaprender a interpretar as feições. Sem jogos virtuais, ela teve de reinventar a dança de roda e sair em ciranda com suas crianças que, por não serem mais máquinas, estavam livres para reinventar o mundo e poder rebatizá-lo de Humanidade.

05 maio 2009

Sugestão cultural

Uma sugestão cultural para quem for a Porto Alegre:
teatro

01 maio 2009

O Vendedor de Palavras - Temporada de maio


Se você ainda não assistiu ao espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" esta é a sua chance. Durante os fins de semana de maio, o grupo Mototóti vai apresentar a peça no Brique da Redenção, Porto Alegre (RS). Apareça e compre uma palavra. A entrada é franca!

30 abril 2009

Os três suininhos

Esta crônica foi inspirada na declaração de um governador real.

A estória de “Os três suininhos” contada por Nosferatu


Certa vez perguntaram a um governador com cara de vampiro como ia a saúde de seu povo já que um espírito de porco havia espalhado uma terrível gripe que deixava todo mundo com o focinho escorrendo. Sua governança respondeu assim:

“Era uma vez três porquinhos que saíram à periferia implementar obras sociais. O primeiro apresentou um projeto para a construção de uma escola de alvenaria para 500 alunos. Ele recebeu o dinheiro da empreitada, embolsou a maior parte e construiu com as sobras uma classe de palha para cinco crianças estudarem no chão.

O segundo porquinho abriu uma licitação para construir um lindo posto de saúde todo equipadinho e cheio de médicos. Mas em seu lugar, levantou um barraco de pau-a-pique o que, além de consultório, gerou também dezenas de habitações para barbeiros.

O terceiro porquinho era honesto e pretendia fazer postos de saúde, escolas e casas populares com o dinheiro que seus irmãozinhos embolsavam. Os outros dois, porém, sabendo do plano do mano velho contrataram um lobo malvado para ficar soprando na cara do sabidão e assim passou seus vírus para o leitão que pegou uma gripe danada e acabou virando toucinho.

Moral da história: se vocês não quiserem pegar a gripe suína, fiquem longe deste último porquinho, mas votem nos dois primeiros!”

21 abril 2009

Dona Felicidade

Dona Felicidade
Fábio Reynol


Felicidade é uma velha baixinha, meio corcunda que andava serelepe lá pelo bairro da minha infância entrando e saindo da minha casa. Conheço-a desde menino, pois me levava ao circo e me trazia chocolates. Pequenina, a velhinha era quase da minha altura de molecote. Mamãe dizia que o tamanhico era para poder caber nas pequenas coisas, onde adorava se esconder. Ela ensinou-me a cantar e a brincar, a correr e a achar tudo bom, mesmo quando nem tudo o fosse. Talvez por isso, muitos tinham medo dela. Diziam que a velha trazia mau agouro e que não era bom tê-la em casa por muito tempo.

Às vezes eu a achava uma velha arredia e antissocial, porque sumia de uma hora para outra e ficava dias sem aparecer. Por vezes, ela tirava férias quando eu mais a esperava. Fiquei sem vê-la quando meus pais se separaram e quando meu irmão foi internado. Foi aí que voltou cínica a dizer que estava no hospital com meu mano. Não acreditei. Para mim, ela tinha ido à Suíça onde, segundo os filmes, estavam as melhores fábricas de chocolate, lugar onde tudo era lindo e não havia tristeza. “É lá que dona Felicidade se refugia nos momentos ruins”, pensava com meus botões infantis.

Conforme eu ia crescendo, os nossos encontros foram se rareando. Não sei bem se por descuido ou desinteresse, o fato é que nem me lembro em que aniversário meu ela parou de ir. Quando me dei conta, ela não estava mais nas festas. Até aquele esperar ansioso pela data tornou-se o fardo de ficar mais velho. “Não sou mais criança”, conformei-me, de modo que não há por que ficar de gracejos com a velha. Mesmo assim, ela aparecia de vez em quando, tomava um chá lá em casa e ia-se embora para voltar sabe Deus quando. Eu tinha de aceitar, Felicidade estava ficando cada vez mais velha e eu já era adulto o bastante para perceber isso.


Até que um dia aconteceu o pior. Numa tarde de abril, dona Felicidade desapareceu sem deixar notícias. Consternado, fui atrás dela e só então me dei conta de que eu nunca havia perguntado o seu endereço. Bati de porta em porta, e os vizinhos me diziam que não era ali que ela morava. Todos contavam a mesma história: “eu só a via passando pela rua, entrava de vez em quando para um café e logo ia embora”. Descobri que a velha fazia nas outras casas o mesmo que fazia na minha. Ela vivia sem paradeiro.


Depois de velho e há tempos sem notícias da Felicidade, decidi ir à Suíça, onde presumi estar o seu túmulo. “Óbvio, a velha se encheu desta gente pequena e foi passar a aposentadoria nos Alpes, onde deve ter morrido”, imaginava eu. Lá encontrei realmente as melhores fábricas de chocolate do mundo e cenários de encher os olhos, só não encontrei Felicidade. Muitas pessoas de lá jamais tinham ouvido falar dela, o que foi um verdadeiro susto para mim que pensava ser aquela a terra natal da velha. Decidi então andar pelo mundo, mas não encontrei seus rastros. Passei por montanhas magníficas e atravessei mares exuberantes e se por eles passou, Felicidade não deixou pegadas. Para mim, a velha senhora era agora somente um punhadinho de lembranças.


Mas como a vida tem sempre um bombom escondido nos armários mais improváveis, muito tempo depois decidi revisitar o meu velho bairro e entrar na casa da minha infância. A construção estava carcomida pelo tempo, abandonada, com paredes descascando e janelas quebradas. Sob a sinfonia das madeiras rangendo debaixo dos meus pés, fui entrando e redescobrindo o meu velho mundo. Ao chegar na cozinha, estava lá, atrás de uma xícara fumegante de chá e de uma caixa de chocolates suíços, a senhora Felicidade, ainda tão faceira e menina como sempre.


- Por onde a senhora andou? – perguntei assustado – Procurei-a por toda parte!


- Estive onde sempre morei, meu caro. No quartinho dos fundos da sua casa.

10 abril 2009

No call center do Vaticano

No call center do Vaticano
Fábio Reynol

Obrigado por ligar para a Central de Atendimento da Igreja Católica Apostólica Eletrônica. Escolha um dos nossos sacramentos on line:
Para batizado, tecle três.
Para fazer a primeira comunhão, tecle quatro.
Para ser crismado, tecle cinco.
Casamento, tecle seis.
Confissão, tecle oito.
Unção dos enfermos, tecle sete.
Para denúncias de pedofilia e abusos de coroinhas, vá reclamar ao bispo. Se o pedófilo for o bispo, relaxe e reze.
Se você ainda não é nosso fiel, tecle três e forneça o CPF dos padrinhos para ser batizado.
— "Plóin" (a fiel teclou oito).
— Estamos transferindo a ligação para um de nossos ministros-confessores. Por favor, aguarde (fundo musical de Festa no Apê do Senhor com Marcelo Rossi e Latino).
Dezoito segundos depois, um sotaque enrolado e horroroso aparece na linha:
— Confessionário eletrônico, Mohander Salah, bom-dia, em que posso absolvê-lo?
— Bom dia. Meu nome é Sara. Eu gostaria de confessar um pecado mortal.
— Acompanha três pecados veniais, senhora? Na promoção do dia acrescenta apenas dez centavos ao seu dízimo.
— Não, obrigada. Vou confessar só o mortal mesmo.
— Por favor, tecle o número do seu batistério.
Plim, plen, plóin, pleng, plung...
A voz eletrônica volta: "Recebendo os pecados de Sara Jeniffer Santos, coloque a mão sobre a sua iBible e fale seus pecados por ordem de gravidade".
— Eu traí o meu marido.
Mohander corre de volta à linha:
— Chifrou o marido, minha senhora? Ih! Esse pecado é muito pesado, a senhora tem conexão banda larga?
— Você não pode pôr um padre na linha e a gente já resolve isso?
— Não, senhora. O serviço de call center é terceirizado. Estamos atendendo na Índia, aqui somos todos hindus.
— Eu já estou perdendo a paciência!
— Devo estar lembrando que se a senhora for estar me ofendendo ou for estar xingando algum parente meu em primeiro grau, o seu pacote de pecados vai estar excedendo o limite on line e a senhora terá de estar levando suas iniqüidades pessoalmente ao confessionário.
— Eu vou ter que ir até à igreja para me confessar?!!
— Sim, senhora. O posto de atendimento mais próximo da senhora é o confession-drive-thru da Paróquia de Saint Steve Jobs ou também pode estar utilizando um dos terminais na Matriz de Nossa Senhora dos Bits.
— Assim eu não agüento, vou mudar de religião.
— Só um minuto que eu vou estar transferindo a sua ligação para o setor de excomunhão. A Santa Sé agradece a sua devoção!

Convertei-vos e crede na boa e nova tecnologia de absolvição pecaminosa.

09 abril 2009

A desguinomização

A desguinomização

Muito a contragosto parei de ouvir música celta. A música é bela e relaxante, mas traz um inconveniente terrível. Toda a vez que toca, as janelas da sala ficam cheias de guinomos atraídos pelo som. Justina, a empregada, chegou a passar água sanitária no vidro para ver se o verdume sairia qual mofo de banheiro. Que nada. Os danados são piores do que cracas em casco de nau velha. Não saíam nem com alicate. Liguei para o Departamento de Controle de Zoonoses da prefeitura que alegou não poder fazer nada por não haver registro de patologias causadas por guinomos. Respondi que o caso poderia ser grave, pois as pragas estavam impedindo a luz do sol de entrar na sala de casa. Para retirar fauna selvagem, disse a moça, só o corpo de bombeiros. Liguei para eles. Chegaram com uma gaiola, luvas, sacos e ganchos usados para pinçar cobras. Olharam para a infestação e tiraram o corpo fora. O senhor já procurou um serviço de dedetização? me perguntaram. Mas que veneno se usa contra isso? Respondi. Pois é. A gente é bombeiro, não dedetizador, moço! E botaram os ganchos nos sacos, as luvas na gaiola e foram embora. Veio o dedetizador. Não me chame de dedetizador, o DDT está proibido, eu trabalho com desratização e desinsetização, bradou o técnico. Seu desinsetizador, eu quero que tire isso daqui. Disse eu mostrando a massaroca verde. Eu acho que o senhor vai ter que procurar DDT. Mas não está proibido? Está, mas creio que o senhor vai precisar de uma coisa bem forte, eu nunca vi ratos verdes. Não são ratos, são guinomos. Nesse caso, não posso ajudar, como eu disse não sou desguinomizador. Eu queria poder ajudar o senhor, mas não conheço ninguém que trabalhe com desguinomização. Eu vou ficar com isso aí pra sempre na minha janela? Talvez a minha tia possa ajudar. Só se ela trabalhar com demolição, pois estou pensando em arrancar a janela. Dê uma chance à janela. Minha tia trabalha com bruxaria aplicada, não é que nem essas aí que ficam praticando bruxaria teórica e ficam com a cabeça nas nuvens viajando pelas estrelas. Não senhor. Minha tia usa os poderes dela produtiva e comercialmente e se ela não puder ajudar o senhor, arranque a janela ou venda a casa, pois ninguém mais vai ajudar. Vaticinou o sujeito ao me estender um cartão escrito “Aléia Páligas – Assessoria em Feitiços e Bruxaria Aplicada”. Ela tem experiência em guinomos? Perguntei. Sei não, respondeu ele, mas ela deve ter algum veneno que mata tudo. Chamei a velha. Não sei por que achei que era uma velha. Na verdade, Aléia era uma mulher baixa com seus 50 anos e uma peruca branca de velha. Entrou com um ar sinistro de bruxa e fez cara de má enquanto avaliava a situação. Perguntou como tinham ido parar ali, se dormiam e comiam bem, se costumavam fazer barulho, se tinham vindo da Irlanda mesmo ou do Paraguai... respondi só a primeira pergunta, no fim da quarta questão estapafúrdia gritei, a senhora também quer o tipo sangüíneo e a taxa de glicose de cada um? A mulher se ofendeu. Virou-se pra mim e disparou: posso resolver o caso, mas quero mil reais adiantados. O quê? E se a senhora não resolver? Fico no prejuízo? Já disse que eu posso resolver, mas quero adiantado por precaução. Mas quanto tempo vai demorar? Três minutos. O quê? A senhora acha que eu sou louco? É pegar ou largar, moço, tenho mais gente para atender. Ia fazer um cheque, mas ela não aceitou. Tive que ir ao banco pegar a dinheirama e voltar para casa. Pronto, disse jogando o maço de notas na mão dela. A mulher conferiu e embolsou o pacote. Agachou-se para a sua bolsa que mais parecia um saco de golfe de tão grande e começou a tirar coisas bizarras. Uma pata de galinha, uma bola de bilhar preta, um martelo, um escorredor de macarrão pequeno, uma caneleira com o emblema do Vasco, uma imagem de São Jorge e um pacote de lencinhos umedecidos. Ficou olhando um tempão para o interior da mega bolsa que poderia abrigar uma família de gatos com o conforto de uma cobertura triplex. Enfim tirou dela um envelope quadrado. Olhou para toda aquela quinquilharia espalhada pelo chão juntou tudo e devolveu a bugiganga para dentro. Abriu o envelope e tirou dele um CD. Ligou o som, e meteu nele o disco. Um barulho grotesco saiu das caixas acústicas. Imediatamente, a guinomada foi se descolando e desaparecendo da janela. Que som é esse? Perguntei. Latino, respondeu a mulher, uma das drogas mais pesadas que existe. Só costumo usar para maldições de nível 5.

06 abril 2009

Eu numa revista literária!

Ora vejam, vocês: a revista eletrônica Germina de literatura publica em sua edição de abril cinco textos de minha autoria: Diálogos da Vagina, O menino que queria uma estrela, Vaquinha Tetra Pak, Admite e No Call Center do Vaticano. Creio que isso faz de mim um literato (preciso tirar uma foto com cara de intelectual para a carteirinha).

Na revista Germina figuram trabalhos de Hilda Hilst, Drummond, Quintana,... e ela recebe a colaboração de gente como Xico Sá, Eustáquio Gomes, Alcir Pécora... Uma garotada que agora vai ficar se gabando por ter o meu nome ao lado do deles. Para quem duvidava que o Diário da Tribo era cultura, toma-te, toma-te, toma-te (como falamos em Belém):

http://www.germinaliteratura.com.br/2009/fabio_reynol.htm


Ósculos lítero-histriônicos,

Fábio Reynol
Literato com registro na associação

02 abril 2009

Palavras que se espalham

Imagens da estreia em Porto Alegre, 22/03/09 (Fotos da Tiemy, amiga do Ro)

A gente não imagina até onde uma idéia pode chegar. Quando eu terminei de escrever a crônica "O Vendedor de Palavras", em 2006, sabia que ali estava algo especial. De fato essa pipa voou sozinha, atravessou o Brasil, cruzou o oceano, criou leitores e espalhou sementes pelo planeta. Muitas delas caíram em terras gaúchas e uma em particular despertou uma recriação da história através do grupo de teatro Mototóti.

Hoje recebi esta notícia (
A Notícia) direto do oeste catarinense. O espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" está sendo utilizado para incentivar a leitura entre crianças e adultos. Cada pessoa que adquirir palavras movida por essa história estará fazendo uma revolução iniciada despretensiosa numa manhã de sábado de 2006.

Estou sem palavras...



27 março 2009

A jura

A jura
Fábio Reynol

- Alô.

- Alô, Gunzinho?

- Acho que a senhora ligou errado.

- É da casa do Gunávio Algemiro Laurentino?

- Sim, é ele mesmo que está falando.

- Gunzinho! Achei você! Que saudade! Quanto tempo, meu Santo Afrânio!

- Eu conheço a senhora?

- “Senhora”, Gunzinho!? Que nada! Ainda sou senhorita, na flor da idade! Acabei de fazer 63.

- Quem está falando?

- Gunzinho! Não tá reconhecendo? Sou eu, a Almerinda. Uma grande paixão a gente nunca esquece, né! Você me prometeu amor eterno!

Uma memória cheirando à naftalina ressurgiu dos baús neuronais de Gunávio, que ficou absolutamente embasbacado. Viu rodar como num V8 todo chapiscado de riscos e pontos pretos o filme de uma molecota adolescente de vestido rodado amarelo com um traseiro proeminente e em franco crescimento graças aos hormônios recém-saídos do forno.

- É a Almerinda, minha vizinha lá de Aiacanga?

- Ora, Gunzinho, e qual outro grande amor a gente tem na vida?

Gunávio ficou sem saber o que responder. Optou pelo trivial:

- E o que você tem feito da vida, Almerinda?

- Procurando você, Gunzinho, meu bem. Tenho uma ótima notícia pra te dar!

- Pois dê logo.

- Minha mãe, Gunzinho, lembra dela?

- Claro a dona...

- ...Zuliquinha. Você nunca gostou dela, né Gunzinho?

- Faz tanto tempo ... – respondeu sem jeito.

- Não tem importância.

- Mas o que tem a sua mãe?

- Ela morreu, Gunzinho! Não é ótimo?

- Ah.... oh... eh... meus sentimentos... Mas ela morreu de quê? eh... Espera aí, o que tem de ótimo nisso? Não foi a sua mãe que morreu?

- Gunzinho, você é um brincalhão. Lembra da nossa jura de amor no quintal de casa? A gente jurou se casar, mas eu disse que tinha que esperar minha mãe morrer antes. Pois isso acabou de acontecer! Já podemos nos casar.

- Almerinda, a gente tinha onze anos! Eu não sou mais um molecote. Tenho mais de 60 também, já me casei duas vezes e estou bem, obrigado. Moro sozinho, minhas filhas me visitam no Natal e no Dia dos Pais e não gosto nem de peixinho dourado. Há sete anos não há outro ser vivo morando comigo. Virei divorciado convicto e vitalício. Você entende?

- Gunzinho eu sabia que você não ia guardar a sua virgindade pra mim. Naquela época, você já era safadinho. Mas de uma coisa eu sempre tive certeza, você vai se casar comigo!

- Olha, Almerinda, eu acho que a gente não está se entendendo, sabe? Se você quiser sair para tomar uma cerveja e lembrar da infância em Aiacanga, tá legal. Mas sem esse papo de casar. Pode ser?

- Mas, Gunzinho, e nós? Como vamos cumprir a nossa jura?

- Almerinda, isso foi há mais de 40 anos! Nós nunca mais nos vimos! Eu nem sei como está a sua cara e nem você a minha! Como podemos nos casar?

- Gunzinho, o grande amor nunca morre! Você é o grande amor da minha vida e eu sou o da sua. Você mesmo escreveu isso no meu caderno. Eu tenho ele aqui!

Gunávio imaginou se a maluca pretendia encomendar uma perícia caligráfica para fazê-lo cumprir um contrato informal de quando tinham onze anos.

- Almerinda, para com isso. Você está me assustando. Vamos ser só amigos, tá legal?

- Gunzinho, é uma pena!

- Mas ainda podemos ser bons amigos – disse Gunávio, num tom que não conseguiu convencer nem a si mesmo.

- Se é assim que você quer, problema seu. Mas amizade só, eu é que não quero. Vou aproveitar e gastar na Europa a fortuna da mamãe.

- Você disse fortuna?

- Ué, Gunzinho. E as casas que ela deixou em Aiacanga, Jacuba e Bauru? E a fazenda de Arealva? Claro que eu vendi tudo. Deu mais de milhão. Nem sei o que fazer com tudo isso. Só sei que vou ter que ver isso sozinha. Passe bem...

- Ei, espera. Me diga só mais uma coisa...


Na falta de um assunto para manter a conversa, ele só conseguiu dizer a primeira coisa que lhe veio à mente:

- ...e a sua bunda? Continua em pé?

24 março 2009

"O Vendedor de Palavras" abre a Feira do Livro de Joinville

Queridos leitores deste nobre diário,

Com palavras adquiridas a preços populares, vos comunico que o mercado varejista de palavras não conhece crises financeiras e apresenta uma forte alta em todo o Brasil.

Na sugestiva data de 1° de abril, o espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" abrirá oficialmente a Feira do Livro de Joinville. Para que todos vejam que não é conversa de vendedor, segue o link do evento catarinense:

http://www.institutofeiradolivro.com.br/programacao.php

O espetáculo é interativo e transmite um forte incentivo à leitura, o que fez Joinville colocá-lo na comissão de frente da programação de sua feira literária. Aguardem, FLIPs, Bienais e Feiras de Frankfurts! "O Vendedor" vai lhes mostrar com quantas palavras se faz um livro!

Agenda de apresentações da peça
"O Vendedor de Palavras":
24 de março às 16h - Paranaguá, PR.
25 de março às 9h30 - Pontal do Paraná, PR.
26 de março às 9h30 - Antonina, PR e às 15h - Morretes, PR.
28 de março às 11h - Ponta Grossa, PR.
1° de abril às 9h15 - Joinville, SC - Abertura da Feira do Livro.

22 março 2009

"O Vendedor de Palavras": estreia regada a chimarrão


Do paralelo 30 - Eis uma cena que só poderia ter surgido na terra de Mário Quintana. Ao meio-dia de 22 de março de 2009, um bando de loucos pôs-se a vender palavras rivalizando com as banquinhas da maior feira de artesanato de Porto Alegre, o Brique da Redenção. Ao som do acordeão e do bandolim, uma canção chamou os fregueses para a banca de palavras. Foi a estréia do espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras", montado pelos gaúchos Fernanda Beppler e Carlos Alexandre do grupo Mototóti e inspirado na crônica homônima de minha autoria. Uma freguesia interessada rodeou a apresentação com garrafas térmicas e cuias de chimarrão e arrematou lotes de palavras além de muitas risadas.

Não posso deixar de agradecer o carinho do público gaúcho que depois de prestigiar o espetáculo me cercou para que eu fizesse dedicatórias no livro "O Vendedor de Palavras".

Agradeço em especial à professora de Tradução Susana Termignoni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que me presenteou com o seu livro "Fare come l'asino del pentolaio: Cem expressões idiomáticas italianas para brasileiros". A turma da professora Susana fez uma versão em italiano da crônica "O Vendedor de Palavras", que ficou "troppo bella", de acordo com meus amigos ítalo-parlantes, "Il venditore di parole".

Também não me esqueço da disposição do nosso amigo Fabiano que foi um magnífico guia turístico e nos acompanhou, nos transportou e nos guiou com uma super-boa-vontade durante a nossa estadia em terras gaúchas.

Para encontrar o livro
Após o espetáculo, algumas pessoas me perguntaram como poderiam adquirir o livro "O Vendedor de Palavras" posteriormente. Ao pessoal de Porto Alegre deixei um lote com o grupo Mototóti que, durante o mês de maio, vai fazer apresentações semanais nos fins de semana no Brique. O Mototóti vai vender o livro após cada apresentação. Para os que quiserem uma dedicatória, podem entrar em contato comigo por e-mail, o valor do frete fica menos do que cinco reais.

13 março 2009

Dia 22 de março estreia "O Vendedor de Palavras"

"- O que o senhor está vendendo?
- Palavras, meu senhor."

Foto: Vilmar Carvalho

Quem vende palavras, provoca pensamentos e financia sonhos.
Numa cidadezinha do interior gaúcho, um romance se desenrola, tropica e brinca com as palavras e sai a vendê-las na capital.
No próximo dia 22, haverá na praça palavras de graça e de riso, de amor e de amizade, de humor e de alegria para quem estiver lá e quiser pegá-las.
Meio-dia no Brique da Redenção, em Porto Alegre (RS).
Compareça e não deixe de levar a sua!

O Vendedor de Palavras!
22 de março

12h

Brique da Redenção - Porto Alegre
(próx. igreja Sta. Terezinha)
produção: Mototóti


09 março 2009

A abortadora

A abortadora
Fábio Reynol

Estava lá Jesus dando um curso motivacional gratuito para uma população de baixa renda quando os mestres da Lei e os bispos da CNBB trouxeram uma mulher surpreendida no meio de um aborto. Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi flagrada no meio de um aborto. O artigo 1398 do código de direito canônico manda excomungar automaticamente tais mulheres. Que dizes tu?”


Perguntavam isso para experimentar Jesus e para poder dar um amparo oficial às franquias com a logomarca dele que haviam aberto ao redor do mundo a fim de excomungar mais facilmente os pecadores. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão.

Porém, como na comitiva eclesial só tinha mala-sem-alça, eles insistiram na pergunta. Jesus então se enfezou, ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a excomungá-la”.
E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.

E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos. No entanto, o último bispo que restou, um baixinho, entregou uma cartinha à mulher antes de sair. Por fim, Jesus ficou sozinho, com a mulher no meio do povo.

Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”

Ela respondeu: “Só a Igreja Católica, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu não te condeno. Podes ir, não peques mais e arranje uma religião mais adequada!" Aquelas palavras calaram tão fundo em seu coração que a mulher se sentiu tocada a se converter ao cristianismo.

Nesse momento, o bispo nanico que havia entregado a carta à mulher voltou com outro papel na mão e estendeu-o à abortadora: “Podes, por favor, entregar esta aqui ao teu médico?”, disse-lhe o mini-reverendo.

Jesus então abaixou-se novamente e, desta vez, em vez de escrever, pegou uma pedra, levantou-se e mirou na testa do bispo, o qual, àquela hora, já havia levantado a batina para correr mais rápido.


06 março 2009

Contagem regressiva para o espetáculo

Está chegando a hora! No dia 22 de março de 2009, dia previsto por Nostradamus como um marco para a dramaturgia pré-apocalíptica, Marte vai alinhavar com Saturno, e Urano vai furunfar com Vênus e cá na Terra estreia "O Vendedor de Palavras - o Espetáculo".

Nesse dia, diariotribalistas do mundo inteiro voarão para o sul para se acasalar e apreciar a peça encenada ao ar livre, no Brique da Redenção, Porto Alegre (RS), Brasil. O espetáculo começa ao término das 12 badaladas diurnas.

A matéria acima é do jornal gaúcho Correio do Povo e conta a história da montagem do espetáculo e do grupo Mototóti que está fazendo uma primorosa produção com figurinos, máscaras, um belo cenário e uma trilha musical composta especialmente para o show. O roteiro está belíssimo. A história ganhou um romance e traz várias brincadeiras com a literatura e com as palavras. Simplesmente imperdível!

Rachem o querosene dos jatinhos, os pedágios (para os que forem de van) ou aproveitem as promoções da Gol, da Tam e da Azul. Grupos têm descontos especiais.

Quero ver todos vocês lá!

P.S.: Na foto do jornal entre o bandolim de Carlos e o acordeão de Fernanda está "O Vendedor de Palavras", livro finalista do "Prêmio Cácado" na categoria deboche e que contém a crônica que deu origem ao espetáculo.


04 março 2009

Resposta a uma ex

Resposta a uma ex
Fábio Reynol

Ontem recebi uma carta de amor. Dessas de relacionamentos passados dizendo que sentem a nossa falta, que precisamos voltar e blá-blá-blá, blá-blá-blá... Na verdade, achei muito cara-de-pau da parte da remetente, pois além de ela ter plena ciência de que já estou com outra (e muito bem, obrigado) com certeza se fez de sonsa fingindo esquecer-se do nosso conturbado rompimento. Indignado e furibundo, respondo-lhe publicamente neste blog:

Ex-querida,

Qual não foi minha surpresa quando abri sua cínica cartinha. Aquele “volte”, aquilo de dizer que sente a minha falta, aquela melosidade ridícula foram de uma hipocrisia grotesca. Quando em nosso relacionamento trocamos afagos? Você simplesmente se resumia a desempenhar o seu papel e eu o meu. E assim caminhávamos tranqüila e honestamente. Não era, nem nunca seria, uma relação caliente. Sejamos francos, não morríamos de amores um pelo outro, mas nos dávamos bem e isso nos bastava.

Não vou negar que no início era bom. Você estava sempre ligada e me ajudava em horas difíceis. Naquela época, eu ainda conseguia falar. Com o tempo a coisa foi mudando, a sua intensidade foi desaparecendo, você foi emudecendo e a relação começou a azedar. Logo nas primeiras viagens que fizemos você ficou muda. Em Monte Verde, você me deixou na mão, sem dar uma palavra sequer. Quando fomos a Caconde, você simplesmente não me deixava falar. Fiquei possesso, mas não briguei.


Tudo isso era tolerável. Mas você começou a me irritar mesmo quando eu estava na minha casa. Lembro-me de um feriado inteiro em que você fechou o tempo e fiquei quatro dias sem ouvir palavra. Nem sinal de você! Acho que foi naquela ocasião que a sua batata começou a assar na minha caçarola e eu comecei a olhar para as outras. Cheguei a procurá-las, mas ainda não estava pronto para uma nova experiência e me mantive fiel.


Porém, não demorou muito e veio a gota d’água. Parece que oito anos de relacionamento não significaram nada para você. Cheguei a pensar, veja que inocência, que a nossa relação seria para sempre! Então, por consideração e um mínimo de decência que ainda deve lhe restar, me diga como você pôde me roubar daquele jeito? Você chegou a levar mais de 70 reais dos melhores créditos do meu celular!!! Naquela hora percebi que você só queria o meu dinheiro. Quando fui tirar satisfação, você nem quis me receber. Lembra do que me disse no shopping? “Você não assinou nenhum contrato comigo! Não tenho obrigação de falar com você nem de dar satisfações!”, foram exatamente essas as suas palavras.


Hoje, você vem com a cara-lisa e uma cartinha melosa pedindo para que eu volte? Cachorra! Só tenho uma resposta para você:


Voltar para você, Vivo? Nem morto!


Do seu ex-pré-pago,


Fábio Reynol




A cínica mandou até fotinho:


27 fevereiro 2009

A arte imita a vida

Novo filme da Pixar, baseado na história de um padre real:

26 fevereiro 2009

Elucubrações anhaianas

Elucubrações anhaianas
Fábio Reynol

Caro leitor, cada um elucubra onde mais lhe apetece. Uns preferem refletir sob o chuveiro morno para que os miolos se amaciem, outros gostam de fazer suas viagens intelectuais em carrinhos de supermercado donde tiram verdadeiros compêndios sobre o comportamento humanoconsumista, José Anhaia elegeu o áurico e sagrado espaço de seu vaso sanitário para deitar fora as mais preciosas reflexões sobre o universo que aí está. Ironia pura o fato de na mesma hora e local serem deitadas fora outras criações de suas entranhas bem menos preciosas, para não dizer o contrário, bem abjetas. Bom, detenhamo-nos às primeiras e deixemos as segundas para um ensaio de outro cronista descompromissado com os pudores de uma crônica familiar como esta.


A escolha do privilegiado ambiente sanitário para os exercícios do intelecto já lhe trouxe consequências das mais curiosas. A mais interessante é que quanto mais tempo ele passa no trono, mais profundas são suas conclusões e mais sofisticada se torna a sua linha de raciocínio. Uma diarréia, por exemplo, pode ser a catalizadora de um ensaio sobre a taciturnidade inerente às aves de rapina comedoras de matéria putrefata ou sobre a etmologia do vocábulo “estrovenga”, ou ainda sobre a incompreensibilidade do termo “graças a Deus” aplicado às situações favoráveis, mas jamais empregado aos reveses da vida.

Outra curiosidade é notá-lo aquietado, sem perguntas a colocar, nem ensaios a apresentar. Nesses momentos, raros é verdade, o diagnótico é certo: “o senhor está com o intestino preso, não é, seo José?” O fato é que a sua atividade intestinal está intimamente ligada de alguma forma à sua atividade mental. O que me faz acreditar que um purgante ou uma infecção intestinal o faria rescrever a teoria da relatividade, e lhe renderia com certeza um Nobel.

Só não se atreva a interrompê-lo durante seu processo criativo, o último que fez isso teve um fim trágico. Conta o próprio sábio que um dia estava ele a soltar pensamentos a esmo pelo vaso sanitário quando uma criatura resolveu atrapalhá-lo: “Era um mosquito da dengue", lembra o sapiente. "O safado deu um voo rasante no meu nariz. Quando retornou da volta de reconhecimento, dei-lhe um safanão na orelha direita que ela deve ter ficado zunindo. Atordoado, ele entrou em meidei e já foi procurando um rio Hudson para fazer um pouso de emergência. Desceu de barriga sobre uma poça no chão e começou a taxiar. Antes que ele pudesse iniciar os reparos, esmaguei sua fuselagem com um pisão”, conta orgulhoso J. Anhaia o seu grande feito de guerra.

Descartes dizia que pensava e por isso existia, Anhaia o reescreve com o seu “cago, logo penso”! É o fundador do racionalismo diarréico ou anhaiano.

20 fevereiro 2009

Fechado para o Carnaval

O estrangeiro que aqui bater durante os quatro dias mais sagrados do
ano encontrará um aviso afixado na porta:

País fechado para o Carnaval

Saímos para o Carnaval. Nos próximos quatro dias não haverá expediente e o governo será provisoriamente substituído. Seremos uma monarquia chefiada por Momo, o Pançudo. A crise está suspensa por ordem do soberano e todas as reclamações devem ser encaminhadas em papel de serpentina em duas vias. A primeira deve ser arremessada sobre a cabeça do rei, a segunda deve ser enrolada, bem enroladinha e enfiada na cesta de intenções de quarta-feira de cinzas, quando retornaremos às nossas funções normais.

Se quiser entrar, fique à vontade. Ou melhor, só entre se for ficar à vontade. O traje obrigatório para a ocasião é o tapa-sexo, cujo tamanho varia – logicamente – conforme as dimensões do sexo a ser tapado. O(a) estrangeiro(a) deve estar atento para não usar pano demais e acabar por esconder partes anatômicas que não estejam explicitamente catalogadas como “sexo”. Tampouco poderá usar pano de menos a ponto de expor saliências, reentrâncias, rebarbas, cavacos ou cantos vivos próprios da tropicália desnuda. No mais, cole purpurina, lantejoulas ou mini-adesivos nos mamilos e despenque-se na folia.

Na hora de destapar o sexo, use-o com moderação, depois lave-o com um sabão neutro e deixe-o secar à sombra (se ele for do tipo em que bate o sol).

Importante: O monarca em exercício não se responsabiliza por objetos deixados dentro dos foliões nem pelas reentrâncias de bêbados.

Certo da animação e da malemolência de vossa senhoria.

Brasil

17 fevereiro 2009

Gastronomia em tempos de crise

Gastronomia em tempos de crise
Fábio Reynol

Não é porque o bolso apertou que devemos nos privar dos bons prazeres da mesa. Gastronômicos, fique bem claro! Não me refiro às taras de quem gosta de saborear o kamasutra em vez do kanikama sobre a mesa de jantar. Este artigo é para quem aprecia a culinária requintada, mas foi apanhado de jeito pelo estouro da bolha-hipotecária-financeira-imobiliária-interbancária mundial dos EUA-Europa e periferia limitada.

Meus caros, há mais prazeres ocultos nas prateleiras populares dos supermercados do que sonha a vossa vã gastronomia. Quem está com a corda no pescoço há de descobri-las com uma ajudinha deste gourmet pós-graduado em paçoca em Piranguinho (MG).

Primeira lição da crise: esqueça o caviar, o escargot, as geléias de pimenta e as demais melecas dos empórios de Higienópolis. A culinária pop pode ser muito mais gosmenta e saborosa do que suas similares da high society.

Um excelente substituto para o caviar é o chamado ovo de galinha, que tem esse nome devido à ave da qual se oriunda. Alimento finíssimo, o ovo galináceo deve ser manipulado com delicadeza e quebrado sobre uma frigideira pré-aquecida com óleo requentado de, no máximo, três semanas de uso. Ao abri-lo, deve-se ter o cuidado de não perfurar a gema a qual terá um papel importante mais adiante.

Ao esbranquiçar a clara, o ovo deve ser cuidadosamente retirado e o excesso de óleo, absorvido por um jornal velho. O acompanhamento ideal é arroz bege-quase-marrom ajeitado no prato sobre uma generosa quantidade de feijão. Não se preocupe se o arroz empapar, com a crise, o arroz empapado está voltando à moda. Por isso, não compre arroz de primeira ou não sobrará para o feijão.

Uma vez escorrido, destaque o ovo do jornal. Algumas notícias poderão ter grudado no verso da iguaria, por isso escolha bem a seção do jornal onde o ovo escorrerá. Prefira os cadernos de cultura e lazer, as páginas de política e de polícia costumam causar indigestão e até perda de apetite.

Coloque o ovo sobre o bolote de arroz, centralizando a gema. Com uma faca pontuda perfure a gema até a ponta encostar no fundo do prato. Com a faca e um colherão, faça movimentos circulares, ondulatórios e misturatórios de forma que ovo, arroz e feijão forme uma só massa compacta e indestrutível. Sirva em um prato fundo ou coma direto da panela.

Esse acepipe deve ser acompanhado por uma garrafa (pet) de Tubaína Tutti-frutti (acidulante BTX-zileno e corante CDIII-tuleno) safra 2009. Não aceite safras anteriores, ou a fermentação poderá ser brutal. Sirva em copos de requeijão Nadir Figueiredo previamente limpos. Se lhe restou alguma influência internacional, mande importar do Maranhão o refinado guaraná Jesus encontrado na cor rosa e no inconfundível sabor indecifrável. A requintada bebida maranhense deixa no palato um gosto nada suave de chicletes trufados.

Bem-vindo ao andar de baixo! Bon appétit!

IMPORTANTE: O Diário da Tribo não se responsabiliza por reações adversas que a perda de capital possa trazer à alimentação. Se persistirem os sintomas, um agente funerário deverá ser consultado.

12 fevereiro 2009

O Castelo Encantado de Sua Deputância

Era uma vez um deputado que mandou construir um lindo castelo. Haveria de ser um palácio enorme para guardar muito ouro, jóias, carrões importados, telões de plasma e tudo o mais o que a sua rica propina podia comprar. Ele morava no reino de Tão Tão Corrupto, uma terra maravilhosa irrigada com verbas federais sempre fresquinhas, legislada por piratas inescrupulosos e habitada por um belo povo adormecido.

Durante a construção da estrutura nababesca, um dos súditos do deputado comentou com o soberano:

- O sinhô vai me adescurpá, mas esse castelo não vai dar muito na cara, não? Sua Deputeza Federal não prefere fazê uma mansãozinha cheia de jaccuzzi e jetisqui na garagi como todo deputado faz depois do primeiro mandato?

Mas o senhor deputado queria mesmo era mostrar toda a sua deputância, que não era pouca:

- Pois se não fosse pra mostrar na cara, eu contruía era metrô que é escondido na terra e muito mais barato que castelo, uai!

- Ara que o sinhô tá brincano com fogo! Um dia o povo descobre esse castelo e o sinhô vai se queimar!

- Pare de dizer bobagens, homem! Esse castelo se erguerá sobre Tão Tão Corrupto, uma terra de cegos! Até a nossa capital, Corruptília tem castelos bem mais escandalosos do que este.

E assim, pedra desviada por pedra desviada, o castelo foi sendo levantado. Cada superfaturamentozinho, cada propininha e cada negociata, por menor que fosse, viraria uma parte da suntuosa construção. Os alicerces vieram do que seria o tratamento de esgoto de 13 cidades, as pedras saíram do desvio de mais de 50 escolas e, graças aos hospitais que nunca saíram do papel, o palacete foi forrado com madeira de lei, pisos de mármore e tapetes persas. O cimento sequer precisou ser comprado, foi “sobra” de uma ponte que nem foi concluída.
Tanto carinho e dedicação do deputado não foram em vão. Ao contrário das obras públicas, o castelo deputal foi terminado. Foi quando o súdito voltou:

- Sua Deputeza Federal! Mas tá bonito demais, sô! Dá até medo!!

- Ara, larga a mão desse medo, sô!

E tudo ia bem em seu lindo palacete, até que um belo dia (para o reino, não para o deputado, que fique claro) Sua Deputeza resolveu deputar onde não devia.

Achou-se de querer o cargo de xerife deputal, o homem que era a lei para os homens que faziam as leis e que não cumpriam lei alguma. Foi aí que a coisa toda se lascou e a profecia do capiau se realizou.

Alguém acabou olhando para o castelo, como havia previsto o súdito, e percebeu que Sua Deputeza não o havia declarado em sua lista de bens. Algo compreensível, uma vez que alguém com tantos imóveis pode se esquecer dos menores de vez em quando. Mas não teve jeito, as fezes já estavam sendo conduzidas ao ventilador e a vaca já tomava o seu caminho rumo ao brejo.

Tal qual o encanto que construiu o castelo, a maldição caiu rápida e o fez perder a estrela do peito antes mesmo de colocá-la. O deputado ficou deputíssimo da vida e colocou a culpa nas bruxas malvadas perseguidoras de proprietários de lindos castelos. Porém, mesmo sem o cargo que tanto queria, abençoou as fadas que o fizeram morar em Tão Tão Corrupto, pois ouvira dizer que na França decapitavam-se os monarcas encastelados.

Com a cabeça entre as orelhas e bem grudada ao pescoço, Sua Deputeza seguiu a vida tranquila em seu castelo e ainda recebia votos dos ogros adormecidos lá do pântano que assim viveram roubados para sempre.

05 fevereiro 2009

Agora sou um espetáculo!!! E de rua!!!!

Queridos leitores do Diário da Tribo,

É com a alma bisurada nos editais licitatórios e patrocinatórios da dramaturgia pós-contemporânea que vos comunico que a crônica “O Vendedor de Palavras”, de autoria deste que vos atormenta, se transformou num belíssimo espetáculo teatral.

O grupo gaúcho Mototóti adaptou a história do camelô que vende palavras adicionando uma história de amor, personagens envolventes, figurinos de época, cenários hollywoodianos e até uma trilha sonora especialmente produzida. A minha única exigência foi não permitir que o Pierce Brosnan ficasse com um papel que exigisse cantar (vide o filme Mamma Mia!).

A estreia será no dia 22 de março ao meio-dia, no Brique da Redenção, em frente à igreja Santa Terezinha, em Porto Alegre (RS). E o melhor: é um espetáculo de rua com acesso liberado a todos que quiserem assistir.

Estão todos convidados para esse evento que marcará para sempre a arte dramática mundial. Comecem a montar suas caravanas de Macapá, Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Fortaleza, Juazeiro, Recife, Salvador, Vitória, Goiânia, Brasília, Cuiabá, Campos dos Goytacazes, Macaé, Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo capital e interior, Curitiba, Genebra-Suíça (Viu, PessoAna?), Philadelphia, Floripa e pessoal do interior do Rio Grande do Sul.
Juntem a farofa, coloquem a canja na garrafa térmica e corram para onde o Kleiton ia quando o Kledir lhe dava baixo astral.

Conto com a presença de todos! (vou fazer a chamada!!!)
Amplexos dramatúrgicos,

Fabio Reynol

O Vendedor de Palavras
Baseado na crônica homônima de Fábio Reynol

Concepção e Atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Direção: Arlete Cunha
Dramaturgia: Rodrigo Monteiro
Trilha Sonora Original: Fernanda Beppler
Cenografia: Zoé Degani
Máscaras - Criação e confecção: Cia Gente Falante Teatro de Bonecos
Figurinos: Coca SerpaDesing
Gráfico: Carlos AlexandreProdução
e Realização: Grupo Mototóti

Estreia 22 de Março

Em frente a Igreja Santa Terezinha no Brique da Redenção às 12h
Grupo Mototóti

28 janeiro 2009

O menino que queria uma estrela

O menino que queria uma estrela
Fábio Reynol

Eram só os dois debaixo da noite clara, quando o pequeno olhando firme para o céu falou:

- Pai, me dá uma estrela?

O homem perturbou-se. Estava ali um menino que queria uma estrela. Por um acaso dos ventos, era o seu filho. O que no mundo acenderia tal desejo no coração de uma criança? Está certo, pensou melhor o homem, o pedido não poderia vir de um adulto. Os adultos não querem saber das estrelas. Se as olham é para ver se nelas há gás, se são anãs brancas ou supernovas, se estão a tantos milhões de anos-luz, se vão explodir ou nascer, coisas absolutamente irrelevantes para quem recebeu a tarefa de entregar uma delas ao próprio filho. Será que os homens que estudam o céu já pediram alguma vez uma estrela aos seus pais? “Acho que não”, concluiu.

O menino que queria uma estrela aguardava em silêncio a resposta do pai. Fitava hipnotizado o pontilhado céu. Pescoço esticado, esperava sem pressa as interlocuções do perturbado adulto. Imaginava onde guardaria sua estrela, se debaixo do travesseiro ou da cama, num lugar onde a mãe não fosse danar com ele, “menino, tire essa estrela do caminho que alguém vai tropeçar nela!” Depois pensou se o deixariam levar sua estrela para a escola. A mostraria orgulhoso aos colegas, diria que fora presente do pai gigante que esticou longe o braço e, como que arrancando a suculenta jabuticaba do galho mais alto, colhera uma estrela que brilhava forte na palma de sua mão.

O pai do menino que queria uma estrela agora pensava na própria infância. Tentou lembrar por que razão ele nunca havia pedido uma estrela ao seu pai. Relembrou vários momentos de criança, de como era bom roubar doces na cozinha, brincar debaixo da chuva e de ficar até tarde da noite acordado só para não ter que dormir na hora certa. Nessas noites, ele costumava ver céus povoados de galáxias. Pensava se um disco voador viria lhe falar que ele era um dos pontinhos brancos vistos lá do planeta dele. Lembrou-se também duma noite em que começou a contar as estrelas e dormiu no chão antes de terminar. Mas nunca se lembrou de pedir uma delas ao pai. Perguntou-se se teria sido mais feliz se tivesse ganhado uma estrela. Não conseguiu responder.

Enquanto isso, o menino que queria uma estrela brincava em pensamentos com a estrela que ainda não tinha. Fitando uma a uma no espaço, imaginava por que haveria de existir tantas estrelas se não fosse para serem distribuídas às crianças que precisassem delas. E ele precisava de uma. Era uma questão de fe-li-ci-da-de. Como uma criança poderia ser feliz sem uma estrela? “Não. Não há como”, o menino respondeu-se.

O pai do menino que queria uma estrela desceu dos pensamentos, abaixou a cabeça e observou o filho pequeno lá perto do chão. Olhou novamente para o cosmo e sentiu-se incrivelmente próximo dele. Era de fato um gigante que tocava o céu com as mãos. Sentiu-se maior ainda porque tinha a missão de buscar uma estrela para um menino. Nunca lhe haviam confiado uma tarefa tão preciosa. Em silêncio, o homem esticou não um, mas os dois braços para o universo e enlaçou o céu com suas mãos gigantescas. Colheu um punhado de estrelas da constelação mais brilhante, chacoalhou as mãos juntas em concha para sair o excesso, olhou as que sobraram e dentre elas pinçou a mais bela. Aconchegou-a delicadamente entre as mãos como quem carrega um pintinho recém-nascido. Agachou-se para o filho.

- Abra o bolso.

O menino obedeceu com os olhos arregalados de felicidade, mal acreditando no que via. Fechou a boca do bolso com as duas mãozinhas para não deixar nem um pingo de luz escapar. Ainda inebriado, estendeu uma mão ao pai e manteve a outra no bolso segurando a sua estrela. Em silêncio, o pai e o menino que tinha uma estrela voltaram para casa emocionados por levarem consigo um pedaço daquele céu.