11 dezembro 2008

Gabriel e as pilhas

– Por que você tem tantas pilhas, dindo? – perguntou Gabriel, de três anos, olhando para a minha montanha de pilhas usadas no balcão da cozinha as quais eu jurava levar um dia ao descarte. Minha mulher já havia perdido as esperanças de vê-las fora de casa. Eu não era relapso. Eu só não me lembrava de pegá-las quando saía. Só isso. E elas ficavam lá, amontoadas ao lado do microondas, entre o galheteiro e o pote de biscoitos.

– É que a gente não pode jogar pilha no lixo, Gabriel.

– Por que não?

– Porque o lixo que vai no saco é enterrado. Aí, vai sair uma aguinha suja das pilhas. Essa aguinha vai sujar a terra, vai escorrer para o rio e matar todos os peixes – disse eu orgulhoso de estar inculcando a última palavra em consciência ecológica naquela cabecinha fresca.

– Deixa eu ver – respondeu o pequeno estendendo uma mãozinha bolachuda pedindo um objeto para análise.

Dei-lhe a mais colorida de todas, imaginando que ele iria fazê-la de brinquedo, talvez um foguete espacial ou um canhão laser para o seu carrinho de polícia. Em vez disso, ele segurou a pilha, olhou-a por todos os ângulos girando-a com a mão fechada e finalmente juntou-a ao ouvido dando uma chacoalhadinha. Franziu a testa decepcionado:

– Mas eu não estou ouvindo nenhuma água aqui dentro!

Fiquei congelado olhando aquela carinha brava ansiosa por resposta. E agora, Fábio, seu jumento? Explica para ele como é que os metais pesados se decompõem e contaminam o solo. Como uma pilha seca, sem nenhum barulho de líquido dentro, pode soltar um xixi mortal para o planeta? Por que eu não chacoalhei uma pilha na orelha da minha professora de química do colégio? Essa saia-justa era para ser dela! Tive vontade de responder: “pergunte para a mãe da sua amiguinha Júlia que é PhD em Química! Ela vai provar pra você que eu não sou mentiroso!” Também pensei em: “vá procurar no Google, seu espertinho! Você sabe melhor do que eu que é lá que estão todas as respostas do mundo!” Mas por fim optei por uma saída adulta:

– Vamos brincar de carrinho?

– Vamos!!!

Ainda sinto que devo uma aula de química ao meu afilhado. De qualquer maneira, entendi finalmente o aviso das embalagens de pilhas: “mantenha longe do alcance de crianças”.

09 dezembro 2008

Os reverendos do calendário

Um desses ainda vai pegar você no confessionário e arrancar um a um todos os seus pecados!

Esqueça os bombeiros com suas mangueiras jorrantes. Quem vai apagar o fogo das moçoilas (e simpatizantes!) nos calendários de 2009 são doze padres saradões especialmente treinados pelo Vaticano para atrair uma multidão de fiéis que erguerão as mãos (só as mãos!) para dar glórias.

O calendário foi uma decisão prafrentex da Santa Sé que com isso deve atrair não só as moças à Igreja, mas uma imensa comunidade gay até então discriminada pelo santo führer. Os reverendíssimos aparecem em poses canônicas e com olhares penetrantes que estimulam a conversão. Trajam batinas negro-asfalto desenhadas pelo estilista Armando Pepino no século XVI. O talento desse artista é notado pelo corte das peças que deixam transparecer o alongado desenho de Pepino.

As beatas que já adquiriram o calendário dizem que será impossível chegar até abril sem ter sonhos proféticos com os padres de janeiro e março. A fiel Giovanna Peluzzo, por sua vez, não vê a hora de chegar novembro de 2009, mês da graça do padre David, “aquele monumento do altar! Um corpo desses salva qualquer alma,” medita a devota.

O Diário da Tribo lança agora uma campanha para que freiras-gatas posem descalças em cenas de penitência. O novo calendário ajudaria a preservar um segmento da sociedade em vias de extinção, o dos heterossexuais do sexo masculino. De quebra, os olhares inconfessáveis das madres Teresas vão reacender o desejo de voltar ao seio da madre Igreja. Jogue o calendário da Pirelli no lixo, e encha com santidade a sua borracharia! Amém e aleluia!

04 dezembro 2008

Diálogo do Natal Passado

- Papai, por que neste ano eu não ganhei presente do Papai Noel?
- Filho, aconteceu uma tragédia. O seu presente estava num trenó que desapareceu enquanto sobrevoava a região amazônica no caminho para cá. Parece que o transponder do trenó era de brinquedo e, por isso, o Papai Noel não percebeu que um avião Bandeirante vinha em sua direção e...
- O trenó bateu?!
- Isso mesmo, meu filho, o Bandeirante está inteiro, mas o lote de presentes se perdeu na floresta. Ainda não se têm notícias do Papai Noel.
- Não!!! E o meu presente? Você não pode comprar o meu presente numa loja? Este ano eu tinha pedido o Banco Imobiliário!
- Infelizmente eu não posso, meu filho. A lei é clara: quem dá presentes no Natal é o Papai Noel. Eu não tenho autorização para dar presentes pra ninguém nesta época do ano. O papai poderia ser preso por exercício ilegal da profissão de Papai Noel. É isso que você quer?
- Não. Quer dizer... mas se você for preso depois de me dar o presente, eu vou poder ficar com ele, né?
- Só se eu já tiver pagado a loja! Se eu estiver na cadeia, não vou conseguir pagar as prestações do Banco Imobiliário.
- Mas, papai, não é justo! Devia ter uma lei deixando a gente comprar presentes se o Papai Noel não puder trazer. Como um juiz pode deixar na cadeia um pai que compra um presente pro filho?
- Meu filho, preste atenção no que eu vou dizer: um dia você dará um jeito de ter o seu próprio banco. E quando isso acontecer, você vai fazer as suas leis e nenhum juiz do mundo vai dizer que você está errado e nem vai deixar te prenderem.
- Mas eu quero o meu banco agora...
E saiu contrariado pensando nas hipotecas, aluguéis e multas fictícias que deixaria de ganhar em seu joguinho novo por causa de um estúpido acidente aéreo.
E o pai ainda gritou pra ele:
- E não espere muito nos próximos anos! Parece que as chances de encontrarem o Noel com vida são muito pequenas...
A mãe, que ouvira toda a conversa atrás da geladeira, aproximou-se do marido:
- Você tem certeza que fez a coisa certa?
- Claro! Fique tranqüila. Isso vai fazê-lo ficar mais forte. Nosso filho ainda vai aparecer nas capas de todos os jornais! Anote isso! Esse Danielzinho Dantas vai nos dar muito orgulho!
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Mensagem de Natal do Diário da Tribo:


Para que o seu capetinha de hoje não se torne o salafrário de amanhã, presentei-o com o bestseller "O Vendedor de Palavras", à venda nas boas redes mundiais de computadores.