30 abril 2009

Os três suininhos

Esta crônica foi inspirada na declaração de um governador real.

A estória de “Os três suininhos” contada por Nosferatu


Certa vez perguntaram a um governador com cara de vampiro como ia a saúde de seu povo já que um espírito de porco havia espalhado uma terrível gripe que deixava todo mundo com o focinho escorrendo. Sua governança respondeu assim:

“Era uma vez três porquinhos que saíram à periferia implementar obras sociais. O primeiro apresentou um projeto para a construção de uma escola de alvenaria para 500 alunos. Ele recebeu o dinheiro da empreitada, embolsou a maior parte e construiu com as sobras uma classe de palha para cinco crianças estudarem no chão.

O segundo porquinho abriu uma licitação para construir um lindo posto de saúde todo equipadinho e cheio de médicos. Mas em seu lugar, levantou um barraco de pau-a-pique o que, além de consultório, gerou também dezenas de habitações para barbeiros.

O terceiro porquinho era honesto e pretendia fazer postos de saúde, escolas e casas populares com o dinheiro que seus irmãozinhos embolsavam. Os outros dois, porém, sabendo do plano do mano velho contrataram um lobo malvado para ficar soprando na cara do sabidão e assim passou seus vírus para o leitão que pegou uma gripe danada e acabou virando toucinho.

Moral da história: se vocês não quiserem pegar a gripe suína, fiquem longe deste último porquinho, mas votem nos dois primeiros!”

21 abril 2009

Dona Felicidade

Dona Felicidade
Fábio Reynol


Felicidade é uma velha baixinha, meio corcunda que andava serelepe lá pelo bairro da minha infância entrando e saindo da minha casa. Conheço-a desde menino, pois me levava ao circo e me trazia chocolates. Pequenina, a velhinha era quase da minha altura de molecote. Mamãe dizia que o tamanhico era para poder caber nas pequenas coisas, onde adorava se esconder. Ela ensinou-me a cantar e a brincar, a correr e a achar tudo bom, mesmo quando nem tudo o fosse. Talvez por isso, muitos tinham medo dela. Diziam que a velha trazia mau agouro e que não era bom tê-la em casa por muito tempo.

Às vezes eu a achava uma velha arredia e antissocial, porque sumia de uma hora para outra e ficava dias sem aparecer. Por vezes, ela tirava férias quando eu mais a esperava. Fiquei sem vê-la quando meus pais se separaram e quando meu irmão foi internado. Foi aí que voltou cínica a dizer que estava no hospital com meu mano. Não acreditei. Para mim, ela tinha ido à Suíça onde, segundo os filmes, estavam as melhores fábricas de chocolate, lugar onde tudo era lindo e não havia tristeza. “É lá que dona Felicidade se refugia nos momentos ruins”, pensava com meus botões infantis.

Conforme eu ia crescendo, os nossos encontros foram se rareando. Não sei bem se por descuido ou desinteresse, o fato é que nem me lembro em que aniversário meu ela parou de ir. Quando me dei conta, ela não estava mais nas festas. Até aquele esperar ansioso pela data tornou-se o fardo de ficar mais velho. “Não sou mais criança”, conformei-me, de modo que não há por que ficar de gracejos com a velha. Mesmo assim, ela aparecia de vez em quando, tomava um chá lá em casa e ia-se embora para voltar sabe Deus quando. Eu tinha de aceitar, Felicidade estava ficando cada vez mais velha e eu já era adulto o bastante para perceber isso.


Até que um dia aconteceu o pior. Numa tarde de abril, dona Felicidade desapareceu sem deixar notícias. Consternado, fui atrás dela e só então me dei conta de que eu nunca havia perguntado o seu endereço. Bati de porta em porta, e os vizinhos me diziam que não era ali que ela morava. Todos contavam a mesma história: “eu só a via passando pela rua, entrava de vez em quando para um café e logo ia embora”. Descobri que a velha fazia nas outras casas o mesmo que fazia na minha. Ela vivia sem paradeiro.


Depois de velho e há tempos sem notícias da Felicidade, decidi ir à Suíça, onde presumi estar o seu túmulo. “Óbvio, a velha se encheu desta gente pequena e foi passar a aposentadoria nos Alpes, onde deve ter morrido”, imaginava eu. Lá encontrei realmente as melhores fábricas de chocolate do mundo e cenários de encher os olhos, só não encontrei Felicidade. Muitas pessoas de lá jamais tinham ouvido falar dela, o que foi um verdadeiro susto para mim que pensava ser aquela a terra natal da velha. Decidi então andar pelo mundo, mas não encontrei seus rastros. Passei por montanhas magníficas e atravessei mares exuberantes e se por eles passou, Felicidade não deixou pegadas. Para mim, a velha senhora era agora somente um punhadinho de lembranças.


Mas como a vida tem sempre um bombom escondido nos armários mais improváveis, muito tempo depois decidi revisitar o meu velho bairro e entrar na casa da minha infância. A construção estava carcomida pelo tempo, abandonada, com paredes descascando e janelas quebradas. Sob a sinfonia das madeiras rangendo debaixo dos meus pés, fui entrando e redescobrindo o meu velho mundo. Ao chegar na cozinha, estava lá, atrás de uma xícara fumegante de chá e de uma caixa de chocolates suíços, a senhora Felicidade, ainda tão faceira e menina como sempre.


- Por onde a senhora andou? – perguntei assustado – Procurei-a por toda parte!


- Estive onde sempre morei, meu caro. No quartinho dos fundos da sua casa.

10 abril 2009

No call center do Vaticano

No call center do Vaticano
Fábio Reynol

Obrigado por ligar para a Central de Atendimento da Igreja Católica Apostólica Eletrônica. Escolha um dos nossos sacramentos on line:
Para batizado, tecle três.
Para fazer a primeira comunhão, tecle quatro.
Para ser crismado, tecle cinco.
Casamento, tecle seis.
Confissão, tecle oito.
Unção dos enfermos, tecle sete.
Para denúncias de pedofilia e abusos de coroinhas, vá reclamar ao bispo. Se o pedófilo for o bispo, relaxe e reze.
Se você ainda não é nosso fiel, tecle três e forneça o CPF dos padrinhos para ser batizado.
— "Plóin" (a fiel teclou oito).
— Estamos transferindo a ligação para um de nossos ministros-confessores. Por favor, aguarde (fundo musical de Festa no Apê do Senhor com Marcelo Rossi e Latino).
Dezoito segundos depois, um sotaque enrolado e horroroso aparece na linha:
— Confessionário eletrônico, Mohander Salah, bom-dia, em que posso absolvê-lo?
— Bom dia. Meu nome é Sara. Eu gostaria de confessar um pecado mortal.
— Acompanha três pecados veniais, senhora? Na promoção do dia acrescenta apenas dez centavos ao seu dízimo.
— Não, obrigada. Vou confessar só o mortal mesmo.
— Por favor, tecle o número do seu batistério.
Plim, plen, plóin, pleng, plung...
A voz eletrônica volta: "Recebendo os pecados de Sara Jeniffer Santos, coloque a mão sobre a sua iBible e fale seus pecados por ordem de gravidade".
— Eu traí o meu marido.
Mohander corre de volta à linha:
— Chifrou o marido, minha senhora? Ih! Esse pecado é muito pesado, a senhora tem conexão banda larga?
— Você não pode pôr um padre na linha e a gente já resolve isso?
— Não, senhora. O serviço de call center é terceirizado. Estamos atendendo na Índia, aqui somos todos hindus.
— Eu já estou perdendo a paciência!
— Devo estar lembrando que se a senhora for estar me ofendendo ou for estar xingando algum parente meu em primeiro grau, o seu pacote de pecados vai estar excedendo o limite on line e a senhora terá de estar levando suas iniqüidades pessoalmente ao confessionário.
— Eu vou ter que ir até à igreja para me confessar?!!
— Sim, senhora. O posto de atendimento mais próximo da senhora é o confession-drive-thru da Paróquia de Saint Steve Jobs ou também pode estar utilizando um dos terminais na Matriz de Nossa Senhora dos Bits.
— Assim eu não agüento, vou mudar de religião.
— Só um minuto que eu vou estar transferindo a sua ligação para o setor de excomunhão. A Santa Sé agradece a sua devoção!

Convertei-vos e crede na boa e nova tecnologia de absolvição pecaminosa.

09 abril 2009

A desguinomização

A desguinomização

Muito a contragosto parei de ouvir música celta. A música é bela e relaxante, mas traz um inconveniente terrível. Toda a vez que toca, as janelas da sala ficam cheias de guinomos atraídos pelo som. Justina, a empregada, chegou a passar água sanitária no vidro para ver se o verdume sairia qual mofo de banheiro. Que nada. Os danados são piores do que cracas em casco de nau velha. Não saíam nem com alicate. Liguei para o Departamento de Controle de Zoonoses da prefeitura que alegou não poder fazer nada por não haver registro de patologias causadas por guinomos. Respondi que o caso poderia ser grave, pois as pragas estavam impedindo a luz do sol de entrar na sala de casa. Para retirar fauna selvagem, disse a moça, só o corpo de bombeiros. Liguei para eles. Chegaram com uma gaiola, luvas, sacos e ganchos usados para pinçar cobras. Olharam para a infestação e tiraram o corpo fora. O senhor já procurou um serviço de dedetização? me perguntaram. Mas que veneno se usa contra isso? Respondi. Pois é. A gente é bombeiro, não dedetizador, moço! E botaram os ganchos nos sacos, as luvas na gaiola e foram embora. Veio o dedetizador. Não me chame de dedetizador, o DDT está proibido, eu trabalho com desratização e desinsetização, bradou o técnico. Seu desinsetizador, eu quero que tire isso daqui. Disse eu mostrando a massaroca verde. Eu acho que o senhor vai ter que procurar DDT. Mas não está proibido? Está, mas creio que o senhor vai precisar de uma coisa bem forte, eu nunca vi ratos verdes. Não são ratos, são guinomos. Nesse caso, não posso ajudar, como eu disse não sou desguinomizador. Eu queria poder ajudar o senhor, mas não conheço ninguém que trabalhe com desguinomização. Eu vou ficar com isso aí pra sempre na minha janela? Talvez a minha tia possa ajudar. Só se ela trabalhar com demolição, pois estou pensando em arrancar a janela. Dê uma chance à janela. Minha tia trabalha com bruxaria aplicada, não é que nem essas aí que ficam praticando bruxaria teórica e ficam com a cabeça nas nuvens viajando pelas estrelas. Não senhor. Minha tia usa os poderes dela produtiva e comercialmente e se ela não puder ajudar o senhor, arranque a janela ou venda a casa, pois ninguém mais vai ajudar. Vaticinou o sujeito ao me estender um cartão escrito “Aléia Páligas – Assessoria em Feitiços e Bruxaria Aplicada”. Ela tem experiência em guinomos? Perguntei. Sei não, respondeu ele, mas ela deve ter algum veneno que mata tudo. Chamei a velha. Não sei por que achei que era uma velha. Na verdade, Aléia era uma mulher baixa com seus 50 anos e uma peruca branca de velha. Entrou com um ar sinistro de bruxa e fez cara de má enquanto avaliava a situação. Perguntou como tinham ido parar ali, se dormiam e comiam bem, se costumavam fazer barulho, se tinham vindo da Irlanda mesmo ou do Paraguai... respondi só a primeira pergunta, no fim da quarta questão estapafúrdia gritei, a senhora também quer o tipo sangüíneo e a taxa de glicose de cada um? A mulher se ofendeu. Virou-se pra mim e disparou: posso resolver o caso, mas quero mil reais adiantados. O quê? E se a senhora não resolver? Fico no prejuízo? Já disse que eu posso resolver, mas quero adiantado por precaução. Mas quanto tempo vai demorar? Três minutos. O quê? A senhora acha que eu sou louco? É pegar ou largar, moço, tenho mais gente para atender. Ia fazer um cheque, mas ela não aceitou. Tive que ir ao banco pegar a dinheirama e voltar para casa. Pronto, disse jogando o maço de notas na mão dela. A mulher conferiu e embolsou o pacote. Agachou-se para a sua bolsa que mais parecia um saco de golfe de tão grande e começou a tirar coisas bizarras. Uma pata de galinha, uma bola de bilhar preta, um martelo, um escorredor de macarrão pequeno, uma caneleira com o emblema do Vasco, uma imagem de São Jorge e um pacote de lencinhos umedecidos. Ficou olhando um tempão para o interior da mega bolsa que poderia abrigar uma família de gatos com o conforto de uma cobertura triplex. Enfim tirou dela um envelope quadrado. Olhou para toda aquela quinquilharia espalhada pelo chão juntou tudo e devolveu a bugiganga para dentro. Abriu o envelope e tirou dele um CD. Ligou o som, e meteu nele o disco. Um barulho grotesco saiu das caixas acústicas. Imediatamente, a guinomada foi se descolando e desaparecendo da janela. Que som é esse? Perguntei. Latino, respondeu a mulher, uma das drogas mais pesadas que existe. Só costumo usar para maldições de nível 5.

06 abril 2009

Eu numa revista literária!

Ora vejam, vocês: a revista eletrônica Germina de literatura publica em sua edição de abril cinco textos de minha autoria: Diálogos da Vagina, O menino que queria uma estrela, Vaquinha Tetra Pak, Admite e No Call Center do Vaticano. Creio que isso faz de mim um literato (preciso tirar uma foto com cara de intelectual para a carteirinha).

Na revista Germina figuram trabalhos de Hilda Hilst, Drummond, Quintana,... e ela recebe a colaboração de gente como Xico Sá, Eustáquio Gomes, Alcir Pécora... Uma garotada que agora vai ficar se gabando por ter o meu nome ao lado do deles. Para quem duvidava que o Diário da Tribo era cultura, toma-te, toma-te, toma-te (como falamos em Belém):

http://www.germinaliteratura.com.br/2009/fabio_reynol.htm


Ósculos lítero-histriônicos,

Fábio Reynol
Literato com registro na associação

02 abril 2009

Palavras que se espalham

Imagens da estreia em Porto Alegre, 22/03/09 (Fotos da Tiemy, amiga do Ro)

A gente não imagina até onde uma idéia pode chegar. Quando eu terminei de escrever a crônica "O Vendedor de Palavras", em 2006, sabia que ali estava algo especial. De fato essa pipa voou sozinha, atravessou o Brasil, cruzou o oceano, criou leitores e espalhou sementes pelo planeta. Muitas delas caíram em terras gaúchas e uma em particular despertou uma recriação da história através do grupo de teatro Mototóti.

Hoje recebi esta notícia (
A Notícia) direto do oeste catarinense. O espetáculo teatral "O Vendedor de Palavras" está sendo utilizado para incentivar a leitura entre crianças e adultos. Cada pessoa que adquirir palavras movida por essa história estará fazendo uma revolução iniciada despretensiosa numa manhã de sábado de 2006.

Estou sem palavras...