26 julho 2007

Mamodecobra - Parte III - Sabendo roubar...

Mamodecobra - Parte III
Capítulo 5.842
Sabendo roubar, não vai faltar

Caro corrupto júnior, não se engane: nem todo o dinheiro sujo vem de fontes ilegais. Boa parte dele é 100% legitimada por decretos e leis (mesmo porque são muitos os corruptos que se dedicam a fazer decretos e leis). Conhecer as fontes de enriquecimento, sejam elas legais ou clandestinas, é importante para manter-se fiel a um dos valores mais importantes da profissão: o valor financeiro. Guarde esta máxima: a um corrupto pode faltar tudo, vergonha, caráter, sinceridade..., mas jamais poderá faltar a razão de sua existência: o dinheiro.

Aos corruptos de outras áreas cabe aqui uma breve introdução ao processo legislativo orçamentário. Todos os anos, parlamentares dos três níveis (municipal, estadual e federal) votam o orçamento do ano subseqüente a ser gasto pelo Executivo. O chamado “orçamento aprovado” é um pedaço de papel no qual estão escritos as quantias que seriam teoricamente gastas em cada setor. Na prática, os números do papel não têm nada a ver com o que é realmente destinado aos setores lá discriminados.

Entra aqui a figura do “contingenciamento”. Em miúdos, é como se o governo dissesse: “tá escrito aí R$10 milhões, mas eu só dou cinco!”. O dinheiro que o governo não segurou é direcionado ao seu respectivo destino não sem antes passar por várias mãozinhas, cada uma cobrando o seu "pedágio". Com um pouco de sorte, o setor receberá alguns trocados e ainda sobrará algum para tapar as goteiras. O destino da diferença contingenciada pouco importa: pode ser para fazer superávit primário ou mesmo um superávit do salário, o importante é administrar a merda que vai ser quando o setor desfalcado entrar em crise por causa da falta do dinheiro previsto.

Atenção, corrupto iniciante! Nessa hora nem pense em cobrar as verbas que não foram investidas nos últimos anos e muito menos retomar as fortunas pagas em propinas e otras cositas porcas. Anote esta outra máxima do mundo corrupto: “Verbas desviadas não voltam aos cofres.”

E faça-se (um imposto para) a luz!
O que fazer, então? Simples: crie um novo imposto ou uma nova tarifa. Vamos supor que o governo não tenha investido o que deveria no setor de energia elétrica, por exemplo. Com o passar dos anos, a tendência é o país voltar à idade média usando a luz de velas e tomando banho de cachoeira. Para que as indústrias não retornem à Era do vapor, faça uma cara de quem foi pego de surpresa (vide Capítulo 1.357 sobre Dissimulação) e anuncie uma nova tarifa na conta de energia elétrica. Dê ao novo tributo um apelido simpático: “seguro apagão” e deixe claro que é um investimento para o “progresso do país”.

Vamos a outro caso hipotético. Suponhamos que durante anos o setor aéreo sofreu contingenciamentos. Quando os aviões começarem a cair, não perca o rebolado. A primeira reação deve ser negar, imediata e peremptoriamente, o contingenciamento. Anuncie uma reforma geral no setor patrocinada, é claro, por um "módico" aumento das tarifas que resultará no encarecimento das passagens aéreas. O cidadão terá o prazer cívico de pagar por elas “em nome da segurança em primeiro lugar” (não se esqueça de incluir este argumento).

Criar impostos não é difícil para quem sabe fazê-lo. Só é preciso ter todo o cuidado para não gerar animosidades na opinião pública. Há métodos muito eficazes e praticamente indolores de arrancar dinheiro da população sem causar rebuliço. Siga os seguintes passos:

1º - Invente uma finalidade nobre para o imposto.
Por exemplo, jure de pés juntos em frente às câmeras: “será 100% destinado à Saúde”.

2º- Amenize os efeitos da facada com mentirinhas.
Diga, por exemplo, que o imposto será provisório e troque a palavra feia “imposto” pelo eufemismo “contribuição”.

3º - Mantenha esse discurso durante o primeiro mês de vigência e não se preocupe com os efeitos futuros.
A memória coletiva brasileira retroage, quando muito, ao período de uma semana. Quando o povo se der conta de que o imposto tem uma transitoriedade eterna, ninguém mais se lembrará de onde, e nem como, ele surgiu.

4º - Jamais saia de casa sem a boa e velha cara-de-pau
Se algum espertinho tentar ressuscitar a história, alegue amnésia. Negue o que você já disse, escreveu ou pensou e, no conforto de seu palacete, dê uma banana para essa gentalha. Mas, pelo amor de deus, feche as cortinas! Há muitos corruptos pés-de-chinelo fazendo na vida pública, o que deveriam fazer na privada. É esse amadorismo que está denegrindo a imagem da profissão!

(não perca os próximos capítulos do Mamodecobra)

24 julho 2007

Denúncia anônima

Exmo.Sr. JC,

Protocolei esta denúncia diretamente com teu secretário especial. Por razões de segurança, preferi não deixar nas mãos do porteiro, Simão Pedro. O caso é grave e envolve aquele episódio na praia com o papo de “edificação”, “ovelhas”, “pedra”... tás lembrado? Pois é. Eu fiquei na minha até agora, fingindo que estava tudo bem, mas a coisa está ficando pra lá de preta. Se tu não tomares uma providência logo, vais ter que descer de novo para botar ordem na casa.

O fato é que no começo deste mês o Joseph, que substituiu o Karol na presidência, emitiu um decreto declarando que só ele cantava de galo em teu nome. No documento, ele declara inválido todo mundo que não tiver o crachá da empresa. Ele ainda decretou “falsas” todas as tentativas de comunicação contigo que não sejam feitas pela operadora dele. E o mais grave: ele disse que foste tu que autorizaste o monopólio do serviço, bem naquela conversa da praia quando o Simão recebeu o nome fantasia.

Os problemas, porém, não param por aqui e vêm de mais longe. Há algum tempo, ele demitiu sem mais nem menos todos os homossexuais. Este ano, atacou quem casou mais de uma vez. Antes disso já tinha arranjado uma baita briga por ter ofendido a concorrência. Na época, o pessoal de Maomé queria encher a gente de porrada. E enquanto questões sérias passam ao largo, as pautas de discussão da diretoria ficam no sexo e na camisinha.

Até hoje, fiquei vendo tudo isso sem falar nada. Mesmo porque tu havias dito que nem um fio de cabelo desviado escapava do teu Serviço de Inteligência. Imaginei que seria uma questão de tempo para uma operação da Interpol, uma força tarefa, um raio ou outra forma menos branda de correção chegasse à matriz européia. Como nada aconteceu, imaginei que as coisas poderiam não estar chegando aos teus ouvidos. Por isso, esta carta.

Por fim, Sr.JC, o maior mistério pra mim são tuas escolhas. Entendo Pedro, simples, pescador, bruto, quase sincero. Mas não poderias ter escolhido hoje alguém mais parecido contigo? Ladrões, prostitutas, pobres, gays nem chegam perto da matriz. Se tu deres uma descidinha aqui, duvido que consigas uma audiência sequer com o ajudante do secretário do porteiro da entrada dos empregados. O negócio ficou muito elitizado. A salvação virou coisa de rico. Longe de mim querer meter o bedelho em assuntos do alto escalão, mas não seria o caso de uma intervenção daí de cima? A sugestão tá feita!

Atenciosamente,

Um servidor na corda bamba

20 julho 2007

"Só não fizemos sexo!", ACM

Grande Bira Dantas!

"Só não fizemos sexo"
Quando disse o dito acima, o hojemente falecido Toninho Malvadeza Magalhães se referia à sua relação intra-conjugal com o então presidente FHC. Eles formavam um raro casal que gerou centenas de filhos sem ter dado nenhum créu (no bom sentido da palavra). Essa prole promissora (no pior sentido da palavra) continuará alimentando o Mamodecobra com o que há de mais refinado em matéria de corrupção de grande monta (de monta ni nóis).

Sr. ACM, o seu legado será lembrado e ensinado aos pupilos de sua incrível arte.
Editores do Manual da Moderna Corrupção Brasileira (Mamodecobra)

Mamodecobra está de luto
A Bahia está sem um deus
O baiano está sem um puto.

19 julho 2007

Mamodecobra - Parte II - Dissimulação

Pincei do comecinho do Mamodecobra (Manual da Moderna Corrupção Brasileira) este importantíssimo capítulo que trata de uma questão premente no cenário corruptório atual: a dissimulação.

Capitulo 1357
Dissimular é preciso
dizer não é preciso

Eis um predicado indeclinável do corrupto desde o tempo em que a corrupção é corrupta, a dissimulação.

A cara-de-pau ou cara-lisa vai sendo endurecida com o tempo e deve ser conservada com vernizes especiais de falsos pudores e com chiliques moralistas convincentes.

A verossimilhança que a dita cara deve apresentar tem que ser diretamente proporcional à falcatrua que ela vai esconder. Desse modo, uma cara de "não-pedi-para-o-lobista-pagar
-o-táxi-dessa-senhora" não convence se for utilizada no lugar de outra de "não-tenho-nada-a-ver-com-os-milhões-desviados-dessas-plataformas". Do mesmo modo uma cara de "fiz-minha-fortuna-enquanto-ainda-era-engraxate" soa exagerada, e portanto suspeita, quando empregada no lugar da "a-licitação-do-cafezinho-foi-feita-dentro-dos-trâmites-legais". Níveis diferentes de roubalheira exigem diferentes graus de dissimulação.

Vejamos alguns exemplos:

- Como o senhor explica o caos aéreo brasileiro?
Resposta verdadeira:
- Nossa incompetência gerencial aliada ao desvio crônico de verbas do setor, somados ao acúmulo de omissões dos governos passados e agravada pela falta de vontade política atual explicam perfeitamente o quadro.
Resposta correta:
- Nossa nação atingiu tamanho grau de desenvolvimento que, de repente, todos resolveram viajar de avião ao mesmo tempo sobrecarregando o sistema.

- O que a senhora tem a dizer aos passageiros que esperam horas nos aeroportos?
Resposta verdadeira:
- Não se sintam culpados. As opções na última eleição não eram tão melhores do que este governo.
Resposta correta:
- É o custo do progresso. Daqui pra frente mais gente vai viajar de avião e deixar os obsoletos automóveis nas garagens.
Resposta de um especialista (em sexo):
- Já que o estupro é inevitável...

Unindo o útil ao prazeroso
Quando falta matéria-prima dissimulatória é recomendável encobrir uma falta legal com outra, de cunho moral. Expliquemos:
Se for desviar quantias propinatórias vultosas, torna-se interessante usar uma relação extra-conjugal como cortina-de-fumaça. Caso descubram a falcatrua, jogue no ventilador a pulada de cerca.
- O dinheiro da pensão era do senhor ou foi pago pela empreiteira?
- Foi um momento de fraqueza, a moça se insinuou...
- Como o senhor explica o caso com essa moça?
- Minha mulher já me perdoou por isso.
- E de onde veio o dinheiro de sua fortuna?
- Minha mulher já me perdoou por isso também!

E atenção: se descobrirem a dissimulação, não pense duas vezes, dissimule novamente:
- O senhor acha correto usar favores de lobistas?
- Meu Deus do Céu! Agora eu vou ser julgado por ter dado uma bimbadinha fora do casamento?

Se você estiver do outro lado, na bancada da oposição, é crucial comentar a questão como se nunca tivesse sido governo. Vista aquela cara de inconformismo:
- Isso é uma pouca vergonha jamais vista na história deste país!

18 julho 2007

Da Al Qaeda

Da seção de classificados de um jornal árabe de hoje:

Al Qaeda contrata:
Diretores da Infraero para administrar reformas em aeroportos nos Estados Unidos.

12 julho 2007

Manual da Moderna Corrupção Brasileira

Queridos leitores diatríbicos, é com incorruptível orgulho que anuncio a publicação do primeiro folhetim deste respeitável periódico eletrônico: o Manual da Moderna Corrupção Brasileira.

Nesta semana, vocês vão ter que se contentar com o prefácio. Nas futuras, publicarei capítulos descontínuos e fora de ordem. Também não serão todos publicados no site por óbvios motivos capitalistas: quem vai comprar um livro que está 100% na internet? Ainda mais quando o público alvo é especializado em fraudes, rombos e desvios!

Aos apressadinhos vou logo dizendo que não adianta procurar nas livrarias. A impressão se encontra em fase de licitação na qual ganhará a editora que oferecer a melhor propina (até agora a Gráfica do Senado está na frente). Infelizmente, não consegui enquadrar esta obra nas leis de incentivo à cultura por se tratar de material didático. De qualquer forma, a necessidade imperiosa deste povo de adquirir conhecimentos ilícitos será o maior catalizador de sua publicação.

Enquanto o supercatatau literário não entra nas rotativas, os corruptos que se prezam terão que absorver as gotas de conhecimento publicadas no Diário da Tribo ou aprender na raça, ou seja, lendo os jornais diários.

A você, leitor honesto, mate a sua curiosidade sobre o supramundo da corrupção enquanto ele mata você aos poucos. De minha parte, só roubarei o seu tempo.

Boa leitura.

Manual da Moderna Corrupção Brasileira

Prefácio

De início peço desculpas ao leitor deste pioneiro manual. Tentei com fervor e afinco, todavia não encontrei um corrupto ilustre para prefaciar esta edição. A bem da verdade, corruptos famosos encontrei muitos, entretanto nenhum disposto a honrar com uma mera rubrica o primeiro grande manual da corrupção brasileira. Corruptos são assim mesmo, humildes demais para se admitirem como tais. Talvez pelo mesmo motivo nenhum deles dignou-se a escrever duas ou três linhas que fossem para abrir esta inédita obra com chave de ouro superfaturado.

Tampouco se debruçaram a engendrar um guia tão útil aos iniciantes do ignóbil mundo corruptivo. Coube a mim, mero pensador amador e jornalista profissional que nunca teve a oportunidade de mamar nas copiosas e impudicas tetas do poder, deitar em papel reciclado este verdadeiro compêndio catalográfico da metodologia corruptiva nacional.

A maior dificuldade nesta empreitada pessoal não foi escrever sobre o assunto (posto que há abundante material publicado diariamente pela imprensa em volume suficiente para compor a enciclopédia corruptiva mundial ou quiçá uma nova biblioteca de Alexandria), o pior obstáculo foi definir o nome mais adequado a tão inusitado livro.

Pensei em “Novíssimo Manual da Corrupção Nacional”. Se o Cegalla publica a sua “Novíssima Gramática” desde a década de 30, por que o meu manual não seria mais novíssimo ainda? Porém, pensando melhor (tenho permissão para pensar no meu trabalho), percebi que os mais incautos poderiam imaginar que o novíssimo se refere à corrupção, e se tem um adjetivo que não tem relação nenhuma com corrupção é justamente “novo”. Pelo menos aqui no Brasil, a corrupção precede em quase cinco séculos a gramática do Cegalla.

Depois pensei em Grande Manual da Corrupção Brasileira. Não foi por modéstia que descartei o “grande”. Foi para evitar pleonasmo. Afinal, o que seria maior neste mundo do que um manual da corrupção brasileira? Só mesmo o seu próprio objeto de estudo. Descartei então o óbvio.

Por fim, veio o “Manual da Moderna Corrupção Brasileira”. Ficou bem. Afinal é muito mais moderno você tramar desfalques pelos sofisticados blackberries antigrampos, do que ser apanhado em conversas telefônicas trepado com o fio na mão no poste da esquina. Para reforçar o nome, é realmente uma das funções deste manual apresentar os métodos de fraudamento eletrônico para o corrupto moderno que precisa desviar verbas licitatórias pelo laptop ou até fraudar um painel eletrônico de senado.

À guisa do esclarecimento

Antes que perguntem. Por que me autodenomino pensador amador? Primeiro: porque no Brasil não dá para viver pensando. O pensamento é o único artigo raro neste país que tem o seu preço em declínio. Aqui, os pensadores profissionais estão sendo obrigados a comer as próprias elucubrações para não morrerem de fome.

Além disso, estou impedido de exercer profissionalmente a função de pensador uma vez que já sou oficialmente registrado como jornalista, uma função (como milhares de outras no país) incompatível com o exercício intelectual, especialmente quando você trabalha para um grande grupo comunicacional que pensa por você. Esse não é o meu caso, por isso consigo dar umas pensadinhas rápidas enquanto trabalho. Meu codinome tem o prefixo ‘PP’: permissão para pensar. Como no caso de 007, a credencial dá certo status no início, mas expõe você a riscos em trabalhos muito mais perigosos.

Bem, foi durante essas pensadinhas que acabei descobrindo que o mundo não é tão redondo quanto tentam nos vender, que nem todos os peitos são obras da natureza, que as cores dos cabelos femininos não nascem na cabeça de ninguém, que discurso e prática não freqüentam o mesmo ambiente (o primeiro é próprio de palanque a segunda, de gabinete), que a amnésia é doença crônica transmitida pela faixa presidencial brasileira, que a maior extravagância que um milionário pode adquirir no Brasil é um senador e que não é normal que os delinqüentes pobres sigam para a cadeia enquanto os ricos tomam o rumo de Brasília. É para estes últimos que dedico este livro de valor inestimável aos que querem evoluir na arte de roubar, renunciar e voltar na próxima eleição (não necessariamente nessa ordem).

Não perca a continuação nas próximas edições do Diário da Tribo.