07 agosto 2007

Gafanhoto vai ser papai

Fiz esta fábula sob encomenda para o Dia dos Pais para a Scritta . Ficou bonitinha, postei aqui.

Gafanhoto vai ser papai
Fábio Reynol

No mundo dos insetos, o besouro é o guru e o gafanhoto, um embrutecido soldado. Explicado isso, entenderás o seguinte diálogo travado entre indivíduos dessas duas espécies num jardim qualquer da existência:
- Nunca pensaste em ser pai, gafanhoto? – indagou maliciosamente o besouro.
- Fui pai de mais de sessenta filhotes. Isso é mais filho do que muitas espécies sonhariam em ter, senhor besouro. Inclusive a tua.
A alfinetada não tirou o inseto gorducho do sério. Pelo contrário, iniciou a fogueira da passionalidade que o besouro pretendia alimentar com mais provocações:
- Pois digo, ainda que tivesses mais de cem filhos não saberias nem de perto o que é ser pai.
O gafanhoto perdeu as estribeiras:
- Quantos filhos tiveste, besouro? Cinco? Sete? Não consegues povoar nem o próprio ninho e estás querendo me dar lições de como ter filhos?
A discussão estava ficando do jeito que o besouro queria:
- Tu sabes melhor do que ninguém como ter filhos. Estou dizendo que tu não sabes o que é ser pai. Tive somente seis rebentos em toda a minha vida. Preferi a qualidade à quantidade. Sei onde estão esses seis, o que fazem, conheço meus netos. Garanto que não sabes nem se os teus filhos estão vivos. Mais da metade já deve ter sido engolida ainda na infância por algum pardal.
- Pois eu posso cuidar de uma prole melhor do que tu, com certeza. E meus filhos...
- Falar é fácil... - interrompeu o besouro a reação furibunda do gafanhoto.
- O que queres dizer? Estás falando isso porque estou velho para ser pai novamente e não poderei provar isso, não é?
O besouro deu um sorriso. O gafanhoto chegou exatamente no ponto pelo qual o besouro estava esperando.
- Estás confundindo a paternidade com tuas funções reprodutivas. Se te consideras um bom pai, sempre há como prová-lo.
- Se estás pensando que vou atrás de meus filhos só para ganhar uma aposta, pode ir tirando tuas mandíbulas do orvalho...
- Não é preciso ir muito longe. Há uma criança sem pai nem mãe neste jardim que só precisa de um gafanhoto que dela cuide.
Quando o gafanhoto percebeu, já tinha caído na armadilha do besouro. Se rejeitasse a missão, estaria provada a sua incompetência como pai. O jeito era conformar-se:
- Tu és muito esperto, besouro. Onde está o gafanhotinho?
- Não há gafanhotinho algum. A criança é uma joaninha que teve os pais devorados por um canário do reino.
- Uma joaninha?! – berrou o gafanhoto – Estás de brincadeira? Não vou ser pai de bicho de outra espécie.
- Exatamente. É nesse ponto em que a paternidade mora: proteger e ensinar uma criança seja ela gafanhoto, joaninha ou centopéia. E, como eu pensava, você não nasceu para isso...
O besouro sabia cutucar o ponto frágil do gafanhoto, o brio. A contragosto e extremamente irritado, o velho gafanhoto aceitou a missão e o besouro conseguiu se livrar da pentelha joaninha que não o deixava em paz.
A joaninha deu um trabalho estafante ao gafanhoto. Ela não sabia voar, nadar, pular nem se defender como os gafanhotos. Para mantê-la viva, o gafanhoto tinha de estar ao lado dela durante o dia inteiro e às vezes lutar com predadores bem maiores do que ele. Para livrar a filha dos perigos futuros, o gafanhoto ainda lhe ensinou tudo o que sabia sobre a vida. Todo o esforço tinha de ser feito para que a joaninha chegasse à idade adulta.
Quando esse dia chegou. O gafanhoto foi orgulhoso apresentar ao besouro a filhota já crescida para se despedir do grupo. Assim que ela bateu as asinhas vermelhas e desapareceu entre as folhas, o gafanhoto sentiu uma tristeza profunda.
- Acho que agora tu és pai – declarou o sábio besouro.
O gafanhoto nem respondeu. Com a deliciosa sensação do dever cumprido, morreu poucos dias depois porque, como já foi dito, ele estava velho. No enterro não apareceu nenhum de seus filhos gafanhotos.
A joaninha? Bem, ela também não compareceu porque tinha um chá-de-panela de uma amiga libélula... Mas o fato é que ela foi mais filha do que os outros e ponto final.

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